Com espírito aventureiro, há alguns anos passados, no finalzinho de 1959, resolvi concluir o curso de Direito no Rio de Janeiro. Minha tia Morena preparou a minha mala de couro, com algumas roupas, que se faziam necessárias para aquela incerta jornada, já que ia tentar a sorte na chamada cidade grande. Rio era Rio. E ainda é. Na verdade, nem ia bem para o Rio de Janeiro. Minha intenção era Curitiba, Paraná, onde me diziam que a educação superior era de primeira qualidade. Acreditava, como diziam naquela época os mais ousados, no meu taco. Bem. Quanta ousadia. Não pretendia voltar a exercer a profissão de linotipista. Tinha tido uma ligeira passagem no cartório do Primeiro Distrito Policial, ao lado de Cartágenes e Afrodísio, sob o comando do irrepreensível delegado Pedro dos Santos. Após, vivi uma experiência mais profunda como escrevente do cartório de Dr. Hilmar Raposo, cuja filha hoje é minha colega de magistratura, atuando como juíza de juizado no Distrito Federal. Quase sempre nos encontramos quando participo, na Capital Federal, de algum evento relacionado a Juizados Cíveis.

No tempo de escrevente (escrevente juramentado), fazia audiência. Era um razoável datilógrafo, sob a presidência do juiz Jerônimo Vieira Fontes, um dos poucos magistrados, de profícua operosidade, que dava sentença em banca. Isso quer dizer: terminada a audiência de instrução, ele prolatava a sentença. Quando não o fazia, em pouquíssimo tempo, a sentença estava pronta, para publicação e intimação das partes e advogados. Época em que, por não haver qualquer informatização, os mandados de citação, para chamar a parte ao processo, era todo datilografado, transcrevendo-se nele a petição inicial, peça introdutória da demanda. Foram momentos de grandes aprendizados. O Código de Processo Civil era o de 1939, e ainda havia a chamada absolvição de instância, uma figura processual que ficou perdida no passado e quase mais ninguém se lembra dela.
Nessa aventura, levava comigo também a experiência do exercício do magistério, dando aulas de literatura brasileira e de língua portuguesa, além de que fizera, patrocinado pelo Sesi, ali em frente ao Liceu, um cursinho de jornalismo, com magníficas lições do professor Amorim Parga, um prestigiado jornalista maranhense que se notabilizara na cidade grande para aonde eu pretendia ir, anos depois. Um dos meus companheiros de curso foi o advogado Sidney Ramos, que, à época, era ainda estudante de Direito, já estando perto de se formar. Foi ele, Sidney, o orador da turma, quando do recebimento do certificado no Teatro Artur Azevedo.
Com todo esse cabedal (entre aspas mesmo), parti para minha aventura. Mala na mão e sobraçando uma caixa de cueca samba canção, adquirida numa loja da Magalhães de Almeida, muita conhecida pelos preços baixos e pela designação de Sudenveste. Dentro da mala - que coragem! -, uma quantia que daria, na minha previsão provinciana, para me aguentar durante uns três meses. Distribuídos nos bolsos, dinheiro suficiente para ir suprindo as necessidades da viagem. Ah!, ia esquecendo, a viagem era de ônibus. Sem rodoviária, a saída fora da Antônio Rayol, nas proximidades do Mercado Central. E o trajeto era, numa primeira etapa, para Recife. Lá, estudaria o mercado, dando uma lida nos jornais para decidir se ficava ou não. Não gostei. Fiquei numa espelunca da rodoviária e não consegui dormir preocupado com o dinheiro da mala. Se roubassem, era um desfalque dos diabos. No dia seguinte, saía um ônibus em melhores condições para o Rio. Comprei a passagem. E parti para o Rio, com a intenção de seguir para Curitiba. Terminei ficando e sendo bem acolhido pela irmã (Rosário) de um grande amigo meu, Expedido Moreira, a quem devo esse imenso e impagável favor. Em quinze dias, consegui emprego numa grande indústria e vaga na Faculdade Cândido Mendes.
Toda essa história, que traça um pouco o meu perfil de aventureiro, porém responsável, é para dizer que o emprego conseguido e disputado através de teste seletivo, se deveu ao JB, ou seja, trocando em miúdos, ao Jornal do Brasil. O JB, assim carinhosamente chamado, era um dos jornais mais lidos do Rio e do Brasil, juntamente com o Correio da Manhã, sendo que este foi destruído pelo regime ditatorial de 1964. Tinha o JB um dos melhores classificados, onde tudo era consultado, e, entre esse tudo, os anúncios de oferta de emprego. Os desempregados passavam o domingo selecionando esses classificados para, na segunda-feira, e, mesmo no curso semana, sair em busca frenética de uma colocação. O Jornal do Brasil, antes de iniciar o seu processo precomatoso até chegar à morte, era um jornal que construía uma consistente opinião política, tendo a coluna do Castelo como leitura obrigatória. Fui seu leitor, desde quando daqui saí e durante o período em que teve existência no Rio. Seus repórteres eram respeitados. Percebia isso com grande nitidez quando fui repórter do Diário de Notícias.
Bem. Venho a saber que o JB vai voltar para as bancas. Com edição de trinta mil exemplares. Diz o empresário que fechou negócio com o seu último dono. Volta a redação para Avenida Rio Branco, local donde nunca deveria ter saído. Estou à espera do JB, antes que os jornais impressos se acabem, segundo previsão dos arautos dessa nova revolução industrial, centrada na informatização. Quero voltar a ler o Caderno B. Em papel impresso.