Gostaria de iniciar com um jeito estúpido de te amar. Ou esquecer de tentar esquecer. Mas prefiro fazer uma espécie de justaposição: um jeito estúpido de ser outra vez. Isolda, apenas Isolda, ficou conhecida no mundo das grandes canções como “a Compositora do Rei”. Um apelido carinhoso que homenageia a sua imensa criatividade musical. Fisicamente, morreu jovem, aos 62 anos de idade. Artisticamente, eternizou-se com a qualidade estética de suas músicas. E não precisava fazer tantas. Basta que se faça referência a Outra vez, uma espécie de Mona Lisa do cancioneiro popular brasileiro, com melodia e letra extremamente poéticas, já reverenciada por grandes vozes e orquestras, como o rei Roberto Carlos, Simone, Emílio Santiago, Maria Bethânia, Pepino de Capri e Ray Conniff.
No início da carreira, Isolda fez dupla com o seu irmão, Milton Carlos. Os dois produziram grandes canções. Muitas delas foram gravadas por Roberto Carlos, com absoluto sucesso, como ocorreu com Amigos, amigos (Você meu amigo de fé, meu irmão camarada / Amigo de tantos caminhos e tantas jornadas / Cabeça de homem mas o coração de menino / Aquele que está do meu lado em que qualquer caminhada...Não preciso nem dizer / Tudo isso que eu lhe digo / Mas é muito bom saber / Que eu tenho um grande amigo). Todo mundo, quando ouve essa música, pensa logo que a autoria é de Roberto e Erasmo, amigos inseparáveis e criadores de tantas e tantas canções, que contribuem para que o brasileiro, não tão cordial, como diz Sérgio Buarque de Holanda, seja menos intolerável.
Milton Carlos, irmão de Isolda, morre num desastre na via Anhanguera, aos 27 anos de idade. Artisticamente, ainda uma criança. Mas deixou, em composição com a irmã, um acervo de excelentes músicas, gravadas por inúmeros cantores e cantoras, como Nilton César, Nalva Aguiar, Antônio Marcos e Roberto Carlos. Isolda não desiste. Segue produzindo com muito vigor artístico. E continua a criar grandes obras que passam a integrar, em definitivo, o panteão da nossa cultura musical.
Roberto Carlos grava Um jeito estúpido de te amar. Um hit que fez um sucesso estrondoso, feito à imagem e perfeição do rei. A primeira estrofe dessa canção faz despontar a profunda poeticidade das letras de Isolda: Eu sei / Que tenho um jeito / Meio estúpido de ser / E de dizer coisas / Que podem / Magoar e te ofender / Mas cada um tem o seu jeito / Todo próprio de amar / E de se defender. E a última estrofe dessa sublime canção, e ainda na voz do rei, nos desafia a amar do nosso jeito de amar: Eu tento / Achar um jeito / Pra explicar / Você bem que podia / Me aceitar / Eu sei / Que tenho um jeito / Meio estúpido de ser / Mas é assim / Que eu sei te amar. Aí está um jeito estúpido de se amar. O amado e a amada deveriam aceitar essas coisas que nem o coração é capaz de explicar. Quem sabe, só Freud. Mas aí não é mais amor. É loucura mesmo.
Isolda fazia também samba, como O pior é que eu gosto, interpretado pela nossa queridíssima Alcione. Esse samba, sucesso na voz da Marrom, traz versos ambivalentes, que indicam todas as antíteses que estruturam a letra de Outra vez. Há dois versos que se interligam de modo contraditório: Eu não sei se o que eu fiz / Foi pior do que você me fez.
Em Outra vez, Isolda extrapola todas as convenções poéticas para fixar a força do amor e as contradições que são próprias do amor. Ora, para ser sincero, não há amor sincero sem contradição. Pode haver o ódio. Sem contradição, porque cega. O amor aceita. E Isolda canta esse amor: Você foi / A mentira sincera / Brincadeira mais séria que me aconteceu / Você foi / O caso mais antigo / O amor mais amigo que me apareceu / Das lembranças que trago na vida / Você é a saudade que eu gosto de ter / Só assim sinto você bem perto de mim / Outra vez (...) Você foi / Toda a felicidade / Você foi a maldade que só me fez bem / Você foi / O melhor dos meus planos/ E o maior dos enganos que eu pude fazer / Das lembranças que eu trago na vida / Você é a saudade que eu gosto de ter / Só assim sinto você bem perto de mim / Outra vez.
* Membro da AML e AIL.
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