É chavão, mas precisa ser dito: esse isolamento nos aprisiona. Pelo menos a mim. Sou acometido dessa sofrência de ficar entre as quatro paredes, cercado de livros e música por todos os lados. É um modo de ir escapando. Outros, ermitães, convivem melhor com a solidão de estar isolado para se livrar desse desagregador vírus, que, quando não fere, mata.

Lendo e ouvindo música, encontrei-me com as notícias, nos jornais, nas revistas, todas on line, e uma canção da eterna Dolores Duran, para amenizar o vácuo da distância de não poder abraçar os amigos queridos.

De Dolores Duran, ouvi o samba-canção Castigo, cuja letra fala de uma briga de amor em que as coisas são ditas, no arroubo das discussões, e, um belo dia, fica-se sozinho – este o dilema de toda separação, como castigo ou prêmio. Dolores fazia canções que nos impunham o amor desvairado ou o sofrimento do amor acabado. Por isso, em Castigo, Dolores lamenta as brigas de amor: “A gente briga, diz tanta coisa que não quer dizer / Briga pensando que não vai sofrer / Que não faz mal se tudo terminar / Um belo dia a gente entende que ficou sozinha / Vem a vontade de chorar baixinho /Vem o desejo triste de voltar / Você se lembra, foi isso mesmo que se deu comigo.” E vai por aí afora, até chegar ao ápice da verdade: de que não teria perdido “você”.

Mas, Dolores sempre foi o meu ponto de apoio, uma sacerdotiza da canção de amor, pois, como ela, eu quero também alegria de um barco voltando, ou a ternura de mãos se encontrando. São sentimentos humanamente necessários para vencer as incertezas desse momento de muitos desamores, a reclamar um novo Século das Luzes, despertando-nos para uma outra dimensão humanista, sem fundamentalismo ideológico.

Por enquanto, em que pesem as mensagens poéticas e de amor de Dolores Duran, as notícias que nos chegam, não são as mais alentadoras. Vejamos: a primeira-dama Bia Doria, que vim a saber que é a festejada primeira-dama de São Paulo, e que ainda preside um órgão denominada de Fundo Social de São Paulo, numa entrevista que foi publicada em redes sociais, referindo-se à ajuda a ser dada aos moradores de rua, declarou que “...dos projetos sociais, algo muito importante. As pessoas que estão na rua... Não é correto você chegar lá na rua e dar marmita, porque a pessoa tem que se conscientizar de que ela tem que sair da rua. A rua hoje é um atrativo, a pessoa gosta de ficar na rua.” E acrescenta mais esta eloqüente preciosidade de papo de dondocas: "Não querem. A pessoa quer receber comida, roupa, uma ajuda, e não quer nenhuma responsabilidade. Isso está muito errado. Se a gente quer viver em um país..." E tascou outros acusações contra os “irresponsáveis” moradores de rua, até porque, penso, não pagam impostos e só dão trabalho. Não fazem jus às milionárias isenções fiscais. Então, pra que alimentar esses irresponsáveis, que não prestam nem pra ser empreendedor, a atividade capitalista moderninha.

A socialite que a entrevistava, uma dessas especialistas em sociologia de coisa nenhuma, antes argumentava, enfatizando as doutas manifestações da dita primeira-dama: "Eles (os impossíveis marmiteiros!) não querem sair da rua porque no abrigo eles têm horário para entrar, têm responsabilidades, limpeza, e eles não querem, né, Bia?" A resposta foi dada acima. Pois é: a questão se resume à total falta de responsabilidade desses moradores de rua. É preciso que, em vez de dar a eles marmitas, recebam lições de educação, moral e cívica, matéria recorrente no período da ditadura civil-militar de 64. Se no final houver sobreviventes, marmita pra eles. Como disse outra figura, do alto do seu entusiasmo: a Covid é boa porque mata os aposentados, reduzindo o déficit previdenciário. Essa é a pátria amada. E que Deus nos acuda!

Mais duas rápidas notícias: a primeira contempla a luta de duas igrejas, disputando a “marca” Deus é Amor. Uma disputa empresarial. A concorrente da outra dizia: temos mais de vinte mil templos no Brasil e filiais em mais de cem países, portanto o direito da marca é nosso. Já a outra contra-argumentava: essa expressão é bíblica e não pode ser apropriada. O pior: no meio desse conflito divino, sem a mediação de Deus, a marca se encontrava empresarialmente registrada no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual. O juiz teve que declarar o óbvio: não é marca, embora muita gente esteja ganhando avalanchas de dinheiro com essa sagrada e universal marca.

A seguir, vem de imediato a segunda notícia que entra em confronto com as teses antimarmitas da Sra. Bia Doria.  Não trata de um desses irresponsáveis moradores de rua, que insiste em não sair da sua miséria atrativa, mas um conselheiro ladrão de um Tribunal de Contas: O que diz: “O conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, Waldir Teis, foi preso após ser flagrado pela Polícia Federal amassando e rasgando vários cheques durante uma busca e apreensão em um escritório em Cuiabá (MT).” Valor dos cheques rasgados: R$ 450.000,00. Para alegria de D. Bia, e pelo quantitativo dos cheques, esse conselheiro não vai precisar de marmita. Responsável como ele é, sequer frequentará a rua da amargura. P.S.: Registro com sentimento de dor o falecimento do meu cunhado Zé Carlos, com o qual tive uma convivência das melhores. Um ser humano sempre disponível. Que Deus o acolha na sua infinita bondade. Deixo meus votos de pesar a sua companheira Domingas.

* Membro da AML e AIL.