Era uma vez uma menina, rústica, tenra e risonha, nascida em berço esplêndido. Mas não tão esplêndido assim, pois, quando veio ao mundo, se encontrava encravada em matas – matas fechadas e de verde encantador - e com muitos animais agrestes, zangados, de cara de poucos amigos, não tendo caminhos para serem caminhados, nem igrejas para nelas se rezarem. Dizem que brotou do ventre de um frei, que veio de tão longe, singrando as águas do Tocantins e a abençoou com as bênçãos de uma santa: Santa Teresa D´Ávila. Esse frei construiu uma orada, pequeno espaço onde as poucas pessoas se persignavam e confessavam seus pecados, isso bem no comecinho de tudo. Lá pôs uma imagem. Fez uma ruinha, de chão duro, bem pequenina, que foi crescendo, crescendo, e crescendo, até ficar bem grande, extensa, percorrida por muita gente, conhecida e desconhecida, que chegou de toda a parte do mundo e por ela transitou, viveu, trabalhou, procriou, construiu, destruiu, renovou, revolucionou. Alguns ficaram e se multiplicaram. Foram construindo casas, muitas moradas, com quintais aleados, onde ainda se colhem os frutos dos plantios centenários; outros migrantes, um quase nada, apenas por ela passaram, e foram embora. Muitos fincaram a sua morada eterna, e, como preito de respeito e gratidão a essa menina, tenra e risonha, que foi batizada de Imperatriz, resolveram fazer da história de sua vida a história de vida dessa menina já com mais de cem anos. Menina-moça, de 162 anos de gloriosas primaveras.

Não quero atar-me ao passado. Mas o passado é necessário. Sem ele, o presente perde o seu significado, já que o futuro é apenas uma possibilidade. Em O Grande Gatsby, Jay Gatsby, personagem título, tem obsessão pelo passado e faz da sua vida a trajetória permanente do recomeço, tentando reconstruir os bons momentos, como se pudessem refazer as alegrias, extirpando as dores das tristezas. Em determinado momento, é veementemente contestado pelo amigo interlocutor: - Não se pode repetir o passado, sustentava com gravidade. Inconformado, Gatsby responde: - É claro que se pode... É claro que se pode. E acrescenta: - Veja, vou tornar as coisas do jeito que eram antes. Nesse seu trajeto obsessivo, segue, até o fim, procurando vencer as contradições, com a imposição do tempo passado.

A referência a essa passagem de Gatsby se deve ao fato de que Imperatriz tem um riquíssimo passado, com uma forte tradição cultural, que vem desde o seu nascedouro, quando nessas terras, saltando das águas do Tocantins, aportou o Frei Manoel Procópio. Da incipiente vila, perdida no tempo da origem de sua história de profunda conotação religiosa, foi erigida esta grande cidade, que abriu suas fronteiras para receber gente de todos os rincões do mundo, de todas as religiões, de todas as etnias. Uma cidade que viveu e acompanhou momentos importantes da história do Brasil. Testemunhou todas as mais importantes transformações econômicas e políticas do Estado brasileiro. De 1852 a 2014, do Império à República, do Feudalismo ao Capitalismo, da Escravidão à Liberdade, do Absolutismo à Democracia, do Coronelismo ao Sindicalismo, do Extrativismo à Industrialização, da Monocultura ao Agronegócio, da Pequena Propriedade ao Grande Produtor Rural, da Agropecuária ao Grande Centro de Ensino Superior, do Comércio Varejista ao Maior Centro Comercial do Maranhão, das Pequenas Empresas a Poderosas Empresas, que romperam as fronteiras de nosso Estado, para projetar-se economicamente em outros centros, numa demonstração da força produtiva desta mais que centenária menina-moça.

Se pudesse, como Gatsby, repetir o passado, o faria, lembrando que cheguei a Imperatriz no início de 1975, para exercer a função de advogado do INCRA, onde permaneci durante três anos de quatro meses. De 1975 a 1977. Saí. Fui para o exercício da advocacia. Os tempos eram duros, mas eram bons. Imperatriz vivia o momento da valorização das terras, que eram públicas e pertenciam à União. Cabia ao INCRA proceder à regularização. Era uma luta. Mas lutava-se o bom combate. E muitos prosperaram, e outros nem tanto.

Imperatriz, como fez com muitos migrantes, me possibilitou o renascimento profissional tanto na advocacia, quando retornei às lides forenses, após exercê-la no Rio de Janeiro, como no magistério superior. Inicialmente na Faculdade de Ensino Superior - FESI, uma criação do grande mestre José Ribamar Fiquene, homem público que aqui chegou como Juiz de Direito, dedicando-se a fomentar a educação e, assim, contribuindo para implantação das duas universidades, a Estadual e a Federal, sendo competente e dedicado prefeito, credenciando-se para vice-governador do Estado e governador. Depois passei a ser professor da UEMA e da UFMA. Ao mesmo tempo, Imperatriz assumia a rebeldia de liderar as grandes lutas políticas, sustentada na sua potencialidade econômica. São, pois, 162 anos de vida, que representam a história daquela criança tenra, nascida do pioneirismo de um frei e fortalecida pelos braços fortes de um povo que conhece o sentido da palavra liberdade.