Não sei se o homem já nasceu com o espírito belicoso, vocacionado inatamente para guerra. Sei que gosta, e gosta muito, de guerrear. O conflito é ínsito do ser humano. Thomas Hobbes, citado por Pierre Clastres, em Arquelogia da violência, importante obra construída por pesquisas de antropologia política, opõe o estado de Sociedade, que é para ele a sociedade do Estado, “a figura não real mas lógica do homem em sua condição natural”, respondendo a seguinte pergunta: “Ora, pelo que é que se distingue a condição natural dos homens?” – Pela ‘guerra de todos contra todos’.” Nessa obra, Arqueologia, ressai a constatação sociológica de que as sociedades primitivas eram violentas, “seu ser social é um ser-para-a-guerra”. A história já registrou inúmeras guerras, todas contaminadas pelo vírus da destruição. Tivemos a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais e estamos perto da Terceira. Quem sabe, a última. A Primeira Grande Guerra foi de trincheira, de reduzida mobilização; a Segunda Guerra se caracterizou por ser de grande mobilização bélica, com o uso maciço de aviões, tanques e bombas lançadas de longas distâncias. Desse cenário de luta, emerge o estrategista Rommel, marechal alemão, chamado, em face da sua capacidade de organização militar, de “a Raposa do Deserto”, por sua intervenção na África do Norte em auxílio às forças italianas, que estavam sendo batidas pelo exército aliado.
Continuamos em guerra. Vietnã, cujo saldo atingiu 4,2 milhões de mortos. Irã-Iraque, com 700 mil mortos. O genocídio de Ruanda, com 937 mil mortos. A guerra soviético-afegã, com 1,5 milhão de mortos. A guerra da Correia, com três de milhões de mortos, entre soldados e civis. A guerra do Iraque, país invadido pelos Estados Unidos da América, sob o falso pretexto de ter ou fabricar armas nucleares. Enfim, há todo um mapa de guerras que se poderia iniciar com a guerra Persa, ocorrida entre 480-479 a.C., com 300 mil mortos. E a pergunta que não tem resposta é: qual o sentido de toda essa violência do homem contra o homem? Ora é conquista de território. Ora questão de ordem ideológica. Ora embates culturais. Ora conflito de natureza religiosa. A Guerra dos Trinta Anos, que ocorreu entre 1618-48, matou sete milhões e meio de católicos e protestantes, que lutavam para controlar a Alemanha. Portanto, conflito religioso. Na Segunda Guerra Mundial, destaca-se o holocausto com a eliminação de seis milhões de judeus. Violência caracterizada pelo antissemitismo, com forte viés religioso e racial. Nem sempre esses conflitos são confrontos religiosos. A guerra do Pacífico entre japoneses e norte-americanos explica-se como uma luta estratégica pelo poder geopolítico. Está sempre acontecendo um conflito, luta caracterizada, em quaisquer dessas circunstâncias, pelo poder. Alguém quer dominar alguém. Não há santos. Nem todos são demônios. A razão depende com quem se está alinhado ideologicamente.
Israel e o Hamas estão numa luta em território palestino. A mídia brasileira, com alguma relutância, tem apoiado Israel. Fato esse notório, bastando que se leiam as nossas principais publicações e que se ouçam e vejam os noticiários de nossos meios de comunicações, especialmente os telejornais. Há um predomínio de interesses econômicos de Israel, diga-se, judeus, com grande influência norte-americana. Quem não se alinha, recebe logo o epíteto depreciativo de anão. Aliás, foi essa a expressão utilizada por um diplomata de Israel, quando o governo brasileiro considerou desproporcional a reação de Israel ao desferir seus mortais ataques ao Hamas. Nesse embate genocida, os palestinos têm levado brutais desvantagens, com assassinatos de crianças e mulheres. A perda de Israel é, em número comparativo, bem inferior.
Só os alinhados com o poder norte-americano, país que acoberta e apoia as ações de Israel, estando inclusive a perder o controle, o que é perigoso, podem aceitar, sem ter um prurido de vergonha, que a diplomacia brasileira é anã, por ter optado por uma solução não violenta, sedimentada no diálogo, em busca de uma paz negociada. O Brasil sempre teve essa vocação pelo pacifismo.
Pouco menos do que isso, teve início a Primeira Guerra Mundial, que ceifou a vida de mais de 9 milhões de soldados. A causa “determinante” dessa guerra foi assassinato, em 28 de junho de 1914, do arquiduque Francisco Ferdinando da Áustria, herdeiro do trono austro-húngaro, morto em Sarajevo por um integrante da sociedade secreta Mão Negra. Em resposta, em 18 de julho de 1914, os austro-húngaros declararam guerra à Sérvia, deflagrando oficialmente o primeiro conflito mundial. Os judeus foram vítimas, na 2ª Grande Guerra, do crime do holocausto. Não podem usar do mesmo peso e da mesma medida. Li um texto sensato, escrito por um judeu: Oded Grajew, publicado na FS, em 11/8/2014, p. A3, sob o titulo A responsabilidade de Israel, em que, seguindo a acertada diplomacia “anã” do Brasil, finaliza: “Israel, o país mais poderoso da região, poderia recuperar os ideais e o espírito de solidariedade e generosidade dos seus primeiros anos. Assim teria a grandeza de quebrar o inútil ciclo da violência e não usar de toda a sua força e seu poder para matar e destruir, mas para se empenhar tenazmente, para perseguir até obter a paz na região” Esse é o caminho. De outro modo, a guerra continuará, sem vencidos e também sem vencedores.
Edição Nº 15082
Guerra
Aureliano Neto
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