Aureliano Neto*

Não costumo poupar. Mas não se trata de poupar elogios, ou coisa que o valha. Não é bem isso. É fazer poupança, guardando dinheiro sob os cuidados de um banco, ou qualquer dessas instituições financeiras, que atravancam as nossas ruas e avenidas, com enormes placas de publicidade convidativa. Convicto, faço parte da grande maioria dos brasileiros, que, segundo estudos feitos por abalizados economistas, não tem por hábito poupar. Essa natureza de não poupador de nosso povo foi elevada à condição de grande notícia dada pelas nossas televisões, com direito à chamada de destaque no Jornal Nacional. Vejam bem: o fato de o brasileiro não ser muito chegado a fazer poupança ocupou horário nobre de nossa televisão. Isso me despertou intensa curiosidade e uma necessária indagação: por que o brasileiro não poupa? Fiquei a pensar por alguns dias, sem encontrar uma resposta. A única que me veio de supetão foi que o brasileiro não contraíra o vírus de poupar para não passar fome. Ou, na pior das hipóteses, viver com certa dignidade, ainda que usufruindo dos parcos ganhos que amealha no trabalho árduo do dia a dia.
Porém, uma verdade acaciana: há pessoas que gostam, adoram mesmo, poupar. Guardam quase tudo que ganham, para gozar no futuro próximo ou distante. Mas há aquelas que, não chegado a ser perdulárias, o que ganham, gastam. Para estas, o futuro é o momento presente. Nada de deixar para depois. Eu, por exemplo, estou no meio termo e não me tenho arrependido. Vou ganhando e vou gastando, sem necessidade de deixar alguma sobra para o futuro que nem sempre sei se vem. Como o futuro não pertence a mim. E o adágio popular insiste em afirmar, com inteira convicção, que o futuro a Deus pertence, vou vivendo sem estar muito preocupado com a incerteza do futuro. Adoto o tempo poético de Vinícius de Moraes: meu tempo é quando.
Meu avô tinha por hábito gastar, sem ser estroina. Ao invés de investir na bolsa de valores, já que nem sabia da sua nefasta existência, fazia o seu investimento na mesa. A nossa era farta. Tinha para os de casa e os que chegavam de fora. Era uma mesa tamanho família, que ficava na cozinha, nas imediações do fogão de lenha, onde a comida era feita, sob o tempero gostoso da minha avó. Podia faltar muita coisa em casa, mas a comida era de rei: mesa exuberantemente fornida das iguarias tradicionais, que nos desafiavam a comer com a certeza de um futuro feliz.
A crônica social nos dá notícia de Jorge Guinle - um boêmio, herdeiro de uma grande fortuna, que teve o seu nome colocado no pedestal dos que souberam a viver a vida, sem arrostar grandes preocupações. Transitava entre o Brasil, na alta roda da soçaite, e no exterior, de preferência nos Estados Unidos, convivendo com as grandes estrelas de Hollywood. Dizia, com envaidecido orgulho, que nunca trabalhara durante toda a sua vida. E, de fato, quem o conheceu, apenas confirmava que Jorginho Guinle, como era mais conhecido, nunca dera um prego numa barra de sabão. Herdou uma fortuna e programou sua vida para vivê-la com a intensidade que a boêmia exigia: gastando o que herdara até a morte. Não calculou bem o tempo e o dinheiro herdado, embora tenha vivido bastante, no final dos dias, vivia de favor no Copacabana Palace, que fora de propriedade da sua família.
Guinle talvez não tenha sido o típico exemplo do brasileiro, que, na essência, é trabalhador, mas soube como poucos fazer da vida um tempo de lazer, sem praticar um hedonismo individualista. Partilhou com os seus, que integravam o seu modus vivendi. Morreu de viver, já que alguns morrem de poupar. Ricos, mas vivendo miseravelmente.
Tem-se conhecimento que, em Imperatriz, vivera um homem abastado, mas que, numa rápida vista dolhos, não parecia ser, e que edificou um grande patrimônio, porquanto trabalhara, durante toda a vida, para poupar. Não era visto em restaurante, nem usando roupa sofisticada. Os seus trajes eram modestíssimos, quase franciscanos. Andava sempre de alpercatas. Não tinha carro. Fazia uso do transporte coletivo popular, como se fosse o mais sofrido assalariado. Ganhava dinheiro - e diziam que muito -, porém muito pouco gastava, a não ser no essencial. Era frugal e parquíssimo nas despesas pessoais. Pode-se afirmar que sofria da patologia da poupança; ganhava muito e poupava muito mais ainda. Transformava o acúmulo de riquezas no sentido de sua vida. A ele o presente consistia em amealhar patrimônio, e o futuro, quem sabe, para viver. Só que adoeceu. Não foi possível retirar o dinheiro da poupança para o tratamento emergencial. Morreu. Ficaram-se os anéis e foram-se os dedos. Os Guinles passaram a usufruir da sua imensa fortuna. Razão tem Fernando Pessoa: o homem é do tamanho do seu sonho. Pigmeu ou gigante, ainda que o sono se transforme em pesadelo.

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