Tráfico de crianças. Tráfico de mulheres. Tráfico de migrantes africanos, que sonhavam com melhores condições de vida, fato esse denunciado pelo Papa Francisco. No jornal, leio da brutalidade dessa espécie de comércio. A China, país de imensa população, detém mais mil suspeitos de tráfico de bebês. Penso: a desigualdade e a exclusão social levam ao diagnóstico de que só é possível extirpá-las, ou reduzi-las a um insignificante nada, se houver fraternidade e se se puderem construir os parâmetros de uma sociedade alicerçada no amor ao outro, ou, no mínimo, no respeito aos valores fundamentais do ser humano. Cristo, há milênios, na sua passagem entre nós, foi tentado nos aspectos mais sensíveis que nos levam à derrocada. São as tentações do ser, do ter e do poder. Essas tentações permanecem presentes até os nossos tempos e. se aceitas, representam a exploração do homem pelo homem. Verdade essa que desponta do dado estatístico que denuncia que o tráfico de pessoas é a terceira atividade mais rentável no mundo, só sendo suplantado pelo comércio ilícito da droga e de armas. O homem, em atitude pessoal e em pecado contra o seu semelhante, ao recorrer a essa prática condenável, se constitui no lobo do homem, alimentando-se dessa crueldade, que a Igreja Católica, na Campanha da Fraternidade, de 2014, almeja especificamente mobilizar as consciências cristãs no sentido de que se possa estabelecer uma luta sem trégua contra essa desumana iniquidade.

O homem tem sido explorado e reduzido a objeto nessa deletéria economia de mercado, sendo escravo de suas carências. Escravo do ser, porquanto se idolatra a si mesmo, do ter, já que não tem limites na ambição dos bens materiais e do poder, pela dominação arbitrária que quer exercer sobre o outro. Mas a escravidão remonta dos séculos passados. Os romanos conquistavam com o seu poderoso exército e escravizavam os povos derrotados, vitimando as mulheres com a brutalidade do estupro. Ainda em Roma, civilização que nos legou fortes instituições jurídicas, havia os plebeus, que, discriminados, não integravam o povo romano e não recebiam o benefício da lei e da justiça. Os escravos eram coisas. E havia mais escravos do que cidadãos romanos. Na Grécia antiga, a escravidão atendia às empresas comerciais e industriais, ratificando, assim, a tese da Campanha da Fraternidade de que "na raiz dos grandes lucros encontram-se as situações de exploração das pessoas". O ter e o poder. O vigia tem poder. A atendente é poderosa. O porteiro tem mais poder do que o poder. Alguém mais atrevido só quer ser, embora nem seja tanto do tanto que pretende ser. O magistrado só é, e muito mais além desse é, porque às vezes ainda diz que é, sem necessidade de ser. Enfim, todos nós estamos sempre tentados a ser mais, ter além e poder ultrapassar todos os limites. A Campanha da Igreja nos diz: - Fraternidade! Amemo-nos. Humanizemo-nos.
Os negros, vítimas da escravidão, sofreram como alma penada. O fundamento era, e sempre fora, a lógica capitalista do lucro. A produção nas grandes propriedades de cana-de-açúcar, na exploração do ouro, no trabalho doméstico e na lavoura do café se sustentava na mão de obra escrava. No Brasil, foram quatro ou seis milhões de africanos escravizados. Essa cultura escravagista ficou entranhada na nossa cultura. Até recentemente, o empregado doméstico era um escravo. E empregador exibia a sua bondade, dizendo que fazia um grande favor em empregar. Ainda diz. O trabalhador brasileiro, seja rural ou urbano, historicamente, sempre foi explorado em situação de escravidão. As primeiras conquistas laborais se deram no governo de Vargas, um ditador, quando foram editadas as leis trabalhistas e instituída a justiça do trabalho, a qual começou em 1.º de maio de 1941, tendo iniciado com um grande número de demandas. A confusão estava latente. Em 1994, o Brasil teve que se defender na Organização Internacional do Trabalho (OIT) da grave denúncia de que empresários brasileiros estariam exigindo, para empregar mulheres, atestado de que não poderiam ter mais filhos. A par disso, o trabalho escravo e tráfico de mulheres, sobretudo para prostituição, constituem realidades nefastas a demandar uma conscientização de luta para sua definitiva extirpação. De outro modo, a Lei Áurea e os direitos humanos são apenas símbolos de igualdade. Nada mais.
A Campanha da Fraternidade, corajosamente, avança nessas questões. A Igreja desce do púlpito mais uma vez para combater o bom combate. E enfrenta o seu lado negativo, porque, no passado, também foi escravagista. O trabalho escravo deve ser denunciado e combatido com veemência. Também o tráfico de mulheres para prostituição é outro câncer a dilacerar com os valores humanos. É um enfrentamento duro, que exige a participação não só do corpo eclesiástico, mas do grande contingente de leigos que fazem a verdadeira igreja, que, em determinado momento de sua história, optou preferencialmente pelos pobres. Cristo não discrimina entre pobres e ricos. Mas abomina o pecado e ama o pecador. E sempre teve cuidado e atenção com os mais vulneráveis: as crianças, a mulher, o filho pródigo, o publicano, o samaritano, a viúva, o marginalizado. Façamos essa caminhada redentora. Não há salvação sem amor e efetiva solidariedade.