Tenho uma doce e amarga obsessão em colecionar frases. É um tanto compulsivo, não chegando ao estado de patologia, a carecer de uma ida ao psiquiatra. O processo é simples: vou lendo livros, revistas, jornais, ou mesmo assistindo a filmes, e, ao deparar-me com “a” frase, faço a anotação para depois realizar a releitura em busca do seu significado – qualquer que o seja. Às vezes, a compreensão inicial, dado o conteúdo mais ou menos rebuscado, me impossibilita de entender o seu sentido, na sua essência literária, filosófica, sociológica, política ou antropológica, mesmo porque, extraída do contexto, passa a frase a ter vida própria, portanto a necessitar de uma interpretação mais vinculada ao que expressa na sua estrutura autônoma verbalizada.

Vejamos algumas dessas frases, anotadas aqui e ali.

Machado de Assis inicia um dos seus mais belos contos – A Cartomante – citando Shakespeare, ao referir-se ao célebre diálogo entre Horácio e Hamlet, para fazer a abertura da narrativa: “Hamlet observa a Horácio que há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia.” No texto do dramaturgo inglês, essa frase é dita por Hamlet, ao trocar ideias com Horácio, seu amigo e confidente, tendo sido reproduzida quase que literalmente por nosso maior romancista. Depois, não sei quem, deturpando o que foi dito, acrescentou a palavra “vã”. Quero dizer: a expressão “filosofia” amesquinhou-se em vista da adjetivação vulgarizada. Shakespeare sofreu uma emenda popular no célebre diálogo de Hamlet e Horácio. Mas, convenhamos, a peça, sendo clássica, popularizou-se, tendo sido filmada e encenada em vários palcos do mundo. A emenda e a leitura, com o acréscimo, serviram para dar maior consistência popular à célebre conversa entre os dois citados personagens hamletianos.
Como estamos a falar de readaptação do popular sobre o erudito, há uma frase de um autor desconhecido, cujo teor é de total simplicidade. Vamos à frase: triste não é mudar de ideia; triste é não ter ideia para mudar. A situação, realçada pelo frasista, é bem simples. Há pessoas que passam toda a vida sem manifestar ideias próprias. São os mestres da cultura emprestada. Ideia própria nem pensar. Nem para si mesmas, e muito menos para mudar. Usam e abusam dos pensamentos alheios. Talvez não tenham conhecimento de um adágio popular, que compara o marceneiro ao advogado. Um trabalhando no esmero artístico da criação do móvel; o outro, na defesa do seu constituinte. Diz a frase: o marceneiro é como o advogado: não dá para improvisar. Importa a humildade do aprendizado. A questão, em si, não está no aprendizado, mas em encontrar alguém que seja humilde no grave e necessário processo do aprender. Creio que o marceneiro não perdeu o prumo, continua não improvisando e sendo humilde no ofício de recriar a sua arte a partir de um pedaço de madeira. Tenho tido muitas dúvidas quanto ao outro. Mas basta que se siga esta máxima de Hercule Poirot, detetive famoso, criado por Agatha Crhristie, que, em uma de suas obras, encalacrado em desvendar um crime, afirma, para justificar os seus argumentos: “O importante é absolver é inocente.” Quis dizer Poirot que , antes de tudo, deve-se absolver o inocente, para, então, chegar-se ao culpado. Como diz Chico Anísio, vestindo o jaleco do inefável professor Raimundo: – “Tem sentido”. 
Do popular vem uma lição que ressalta a finitude do mundo. Da felicidade ou do sofrer. Afirmam os antigos, sedimentados no conhecimento adquirido durante toda a vida: não há mal que sempre dure; nem bem que nunca se acabe. É uma verdade absoluta, ou quase próxima ao absoluto. Tudo nesta vida é efêmero. Até a morte, porquanto só se morre uma vez. O óbvio: a vida terrena tem esse final inevitável. E ponto. Acabou. O sofrer e o amar, o bem e o mal – para não fugir do maniqueísmo escatológico – se esgotam por si mesmos. Ou se vive ou se morre. Mas... Há sempre o salvador “mas”. Madre Teresa de Calcutá, amada por muitos e odiada por alguns, tendo dedicado grande parte da sua vida para cuidar dos pobres, ao se dar conta que vivera em Calcutá, na Índia, no meio da miséria total, sem perceber que as pessoas morriam nas ruas, apenas tendo o corpo recolhido, resolveu atender ao chamado de Cristo na cruz: – “Estou com sede” – e foi para a luta. Num determinado momento da sua exausta caminhada, repleta de incompreensões, todas vencidas, e avisada pelo médico de que o seu coração estava em péssimas condições, respondeu: – “Tenho toda a eternidade para descansar.” E continuou a sua missão humanitária até a eternizar-se na morte.
Pondé. Pra quem não sabe, trata-se de Luiz Felipe Pondé, filósofo e escritor. Em livro recente, A Era do Ressentimento, faz estas afirmações com as quais concordo: “Hoje, o debate politico é, antes de tudo, uma política da difamação.” “Os inimigos do pensamento dominaram o comércio das ideias.” E por fim: “O comércio é a marca última da condição humana moral. Quando o comércio de ideias se contamina com má-fé, é como se você não pudesse mais confiar em quem lhe vende um produto porque sabe que ele não vai entregá-lo.” Pondé nos diz que temos que ter cuidado com o debate político enodoado pela difamação, a fim de não assumirmos a condição de rebanho desorientado, na referência de Chomsky, aqui em outro momento citado. Já, no filme Justiça Corrupta, tem esta lição: “As maiores injustiças da história foram cometidas em nome da decência.” E não é mesmo? Em nome da liberdade quantos delitos têm sido praticados? Só nos resta o embalo da canção: há sempre um novo dia; há sempre um amanhecer. Ou ainda Alberto Caieiro: “Há metafísica em não pensar em nada.” E mais: “Haver injustiça é como haver morte.” Por isso, há pessoas que morrem matadas pela injustiça. E, em nome da justiça, apenas sejamos justos.