A vida é feita de fragmentos. E de frases, que vão sendo construídas no decurso de toda uma existência. São reflexões que dizem muito e servem de roteiro para a imensa caminhada que temos que percorrer até o termo final. Victor Hugo nos deixou um pensamento lapidar sobre a construção do futuro. Diz ele: "O futuro é um edifício misterioso que levantamos na terra com as próprias mãos e que mais tarde deverá servir-nos a todos de moradia." Oscar Niemeyer, em frase de simplicidade vocabular, porquanto curta em tamanho, mas de profunda riqueza conotativa, sem se preocupar com o futuro, apenas sentencia: "A vida é um sopro." Pensemos, cá entre nós, que o arquiteto Niemeyer pode ter alguma razão, não pelo tempo de viver-se, se dias, meses ou anos, mas pela vida que pode se levar, em que os anos de sobrevivência, embora longos, podem ser um quase nada. Niemeyer ultrapassou a barreira de um século de vida, acumulando uma experiência que lhe permite mensurar, com a economia de quem sabe das coisas, a ínfima temporalidade do viver. Mas, também já disseram que viver é esperar. A questão é: esperar o quê?...
Enveredo por um caminho mais tortuoso. Capto a essência sucinta de uma frase dita sobre o ato de julgar. Foi dito: julgar é se colocar na situação do outro. Se assim for, ou se assim for entendido, julgar não pode ser um ato de vingança: olho por olho e dente por dente. É espargir a paz onde há o conflito. Razão pela qual quem julga deve, pelo menos hipoteticamente, viver o drama do outro. E esse outro se encontra vestido na roupa do acusado e de quem acusa. A justiça tem um doce significado salomônico, de saber quem é a mãe verdadeira, isto é, qual a verdadeira verdade. A parcialidade positiva de quem decide é um princípio que se sustenta na ética material, na concepção de que, durante o procedimento da solução da disputa, o julgador, pondo-se na condição do outro, reconheça as diferenças sociais, econômicas e culturais dos contendores e paute sua decisão com base nessas diferenças, humanizando o ato de julgar. Conclusão: julgar não é midiatizar o conflito.
Tomei conhecimento de voto proferido num recurso julgado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, onde o desembargador Jones Figueirêdo Alves, ao deferir pleito de dano moral, favorável a um consumidor de instituição bancária, por ficar aguardando 3h56m para receber um alvará judicial expedido pela Justiça do Trabalho. O fundamento do voto de vista recua à visão eclesiástica do tempo até chegar aos nossos tempos, em que constata o magistrado, como argumento da decisão, que os dez maiores bancos tiveram, no ano de 2011, portanto bem próximo dos tempos atuais, o lucro de R$ 41 bilhões de reais. E acentua que "forçoso é considerar que os lucros devem ser saudáveis, a esse nível de permitir consumidores saudáveis no atendimento que lhes é prestado". Sobre o passar do tempo e o seu desperdício, argumenta o julgador que "se a passagem do tempo representa, antes de mais nada, a vantagem das horas, e mesmo que se pense que o tempo que se gosta de perder não é tempo perdido, porque o homem faz de seu tempo a própria medida de sua vida, impõe-se pensar acerca do desperdício de tempo e para além disso, o que aqui interessa, sobre o vilipêndio do tempo". Em reforço, faz referência ao evolucionista Charles Darwin, quando sustenta que o homem que tem a coragem de desperdiçar uma hora de seu tempo não descobriu o valor da vida. E muito menos, acrescento, o desfecho da inevitável morte.
O desembargador Jones Figueirêdo, ao dar o seu voto, deferindo o dano moral ao consumidor, pôs-se no lugar do outro, daquele que ficou mais de três horas aguardando o pagamento de um simples e impositivo alvará judicial.
Num outro viés desses fragmentos, em data recentíssima tive que socorrer-me dos "desserviços" de um banco de Imperatriz. Precisava da emissão de uma fatura para realizar o pagamento de cartão de crédito. Entrei na agência, desacomodei-me numa fila, formada por seis ou oito pessoas, não lembro bem. Esperei por volta de uns vinte a trinta minutos. E nada. A atendente estava com uma cliente a sua mesa, numa conversa interminável. Mais dez minutos. Nada. Perguntei a uma das pessoas que estava ao meu lado quanto tempo já esperava. Disse-me estar a mais de uma hora aguardando a sua vez. Inquietei-me. Fui falar com um dos empregados que ostentava um imenso crachá no peito, como se fosse gerente de alguma coisa. Sem maiores explicações, apenas respondeu-me que o meu pedido só poderia ser feito pelo atendimento. Não tive outra alternativa, saí da agência e fui cantar em outra freguesia, pois não poderia aguardar o resto da manhã e parte da tarde para que me fosse extraída uma fatura para pagamento de interesse econômico do próprio banco.
É certo. Estamos, segundo a segundo, emitindo julgamento. Quem julga ouve e sente; e ouvir é uma tarefa complicada e sutil. Saber ouvir é um dos elementos essenciais de um julgamento justo. Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, enfatiza que "não é bastante ter ouvidos, para ouvir o que é dito. É preciso que haja silêncio dentro da alma". Sentir na alma o que se ouve, ressalta o bardo português. A propósito, ao falar sobre Deus, alguém disse: "Deus é isto: a beleza que ouve no silêncio." Pois é, meditar após ouvir e julgar na esteira do silêncio, da meditação. Sentir que o outro sou eu e minhas circunstâncias; enfim, todos somos nós. Dizem: o tempo é o senhor da razão, mas nem sempre o razoável está no tempo de espera, embora haja tempo para tudo. Horácio, o poeta romano, ao tratar do tempo, fala da necessidade de se viver a essência do presente: "Aproveita o dia de hoje e nada espere do dia seguinte." Todos temos pressa, caracterizando isso uma certa atemporalidade existencial. O tempo é apenas um fragmento do que será o dia seguinte. Matar o tempo é matar a vida. Nem sempre é possível dar tempo ao tempo .
Edição Nº 14362
Fragmentos de Vida
Aureliano Neto
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