Uma criança, em conversa com sua vó, transmite-lhe esta lição: o vento é o ar com muita pressa. Não tive dúvida, aproveitei esse ensinamento juvenil e disse para mim mesmo: a vida é o tempo que passa depressa. Quanto mais vivemos com pressa, mais a vida se escoa, como a água que tentamos segurar na palma da mão, e ela foge entre os dedos, restando-nos um quase nada. E assim vivemos a luta contra o tempo. Alguns poucos obtêm sucesso, e outros não são tão privilegiados, sucumbindo pela pressa do tempo. Cony, cronista do nosso tempo e autor, entre outras obras de O ato e o fato, Posto Seis e dos romances Pilatos e Quase memória, afirma que o tempo não precisa de tempo para existir. Verdade, direi. É da nossa essência. Sem ele, bau-bau. Vai-se. Há os mais apressados que dizem que não têm tempo nem para viver. Não deixam de ter suas complicações. E aí só Freud para resolver esse impasse entre consciente e subconsciente e outras dimensões anímicas dessas pessoas. Mário de Andrade, de Macunaíma e Pauliceia desvairada, contava o tempo para saber o que lhe restava. Dizia o poeta e romancista, que esteve na vanguarda da Semana de 22: - Contei os anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. E conclui, com pragmatismo: - Tenho muito mais passado que futuro. Pois é, o passado o eternizou. Ah!, ia esquecendo, D. Paulo Evaristo Arns, o cardeal, que lutou contra o arbítrio civil-militar de 64, ao lhe perguntarem sobre a morte, respondeu sem deixar transparecer qualquer reles pingo de dúvida, pois enfim era um homem de Deus, ao menos no ofício: - Estou preparado. Não tenho medo, mas também não tenho pressa. O tempo, sem a pressa de chegar até ele, o pegou. Deixou-nos a saudade de ter vivido e de ter tido tempo de lutar pelas suas ovelhas desgarradas e muitas assassinadas no porão da ditadura.
Por que toda essa conversa? Simples, direi. Remexendo os meus guardados, numa assepsia necessária de fim de ano, deparei-me, naquele amontoado de coisas, com uma edição do jornal O Progresso. Para ser mais preciso a de número 6.904, ano XIX, de uma quinta-feira, de 25 de maio de 1989. Chamada de capa: OAB lança manifesto em defesa dos índios. E uma foto no alto da página deste escrevinhador dessas mal traçadas linhas, como diziam os mais humildes. Era eu, à época, num segundo mandato, como presidente da Subseção da Ordem dos Advogados de Imperatriz, quando elaborávamos um duro manifesto, publicado na página 3 do jornal O Progresso, em defesa dos direitos dos nossos ancestrais, que estavam sendo cruelmente desrespeitados pela Funai. Não entrarei em detalhes sobre a quizília em si. Não é o caso. Mas o que me chamou a atenção foi a foto. A minha foto. Ainda jovem, vamos dizer, convenhamos, porquanto estava no limiar dos quarenta anos. Ano seguinte, entrava para a magistratura. A foto traduz um momento da vida e das lutas que se travavam à época em defesa da dignidade da pessoa humana: o índio, o posseiro, espoliado pelo latifundiário, e mesmo assassinado pelo capitalismo extrativista, o trabalhador, no reconhecimento dos seus direitos, e o jurisdicionado para que tivesse uma prestação de serviço efetiva. Foram grandes lutas, ao lado de aguerridos companheiros da advocacia. Quantas e quantas vezes, incompreendido por uns poucos (ainda bem!), tive o famigerado embargos de gaveta. A Subseção se constituía num foro institucional em que se lutava também contra os privilégios indevidamente "outorgados" a um ou outro advogado em detrimento da luta da classe. A foto traz, de forma viva, esse passado de um combate que nunca cessou. Um dos focos era a violência institucionalizada e entranhada no âmago dos poderes constituídos.
Mas a foto ainda me questiona: mudaram-se os tempos, mudaram-se os costumes? Ou nada mudou? Não sou um deslavado pessimista. Evidente que algumas coisas mudaram. 1989 não é igual a 2017, e muitos menos será igual a 2018. Mas institucionalmente pouca coisa mudou. De 1964 para cá, tivemos o golpe do impeachment, perpetrado pela mídia, pelos grandes grupos econômicos e pelo Congresso Nacional, sob o fundamento de prática de pedaladas fiscais. A partir daí, várias e sucessivas pedaladas foram praticadas nesse nosso país de pedaleiros. A pedalada da mala, ao vivo. As pedaladas das denúncias, cujos votos de parlamentares para não recebimento foram "comprados", através de cargos ou dinheiro vivo. As pedaladas gedelianas, em torno de mais de 50 milhões. As constantes pedaladas gilmarianas. Ainda as pedaladas aecianas. Etc., etc., etc., e mais eteceteras. Pois bem. As coisas estão tão iguais ou piores do que o primeiro golpe da maioridade de Pedro II, comandado pelos liberais, que Bresser-Pereira, antigo tucano de carteirinha, no texto Mal-estar e vergonha, publicado na FS, 6/11/2017, afirma o seguinte: "O impeachment de Dilma Rousseff será sempre uma mancha na história do Brasil. Para que fosse realizado, uma quadrilha de políticos convidou ideólogos para escreverem um plano de governo neoliberal, que foi o passe para garantir o apoio das elites financeiro-rentistas, da classe média tradicional e do partido política que as representa - o PSDB." E diz mais: o governo passou comprar deputados para aprovar reformas radicais. Não bastasse isso, Marcos Augusto Gonçalves, colunista da FS, em 18/92017, p. A2, sustenta que "boa ou ruim, a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer será rejeitada pela Câmara (como o foi). Preocupada em escapar do camburão, a RALÉ MORAL que domina o Congresso, com o aval do voto distraído e inconsequente de grande parte do eleitorado, deverá selar a continuidade da camarilha corrupta do PMDB no poder."
Mudaram-se os tempos? Mudaram-se os costumes? Nada. Os liberais são os mesmos, desde o golpe da maioridade de 24 de julho de 1840. Continuamos a ser uma sociedade de castas, com histórica separação da casa grande e da senzala. Que se tenha um 2018 de luta pela cidadania e pela igualdade. 

* Membro da AML e AIL.