Marilena Chauí, filósofa reconhecida no mundo inteiro, capa da revista Cult, ano 19, n.° 209, do mês de fevereiro deste ano, deu entrevista, em que, analisando fatos políticos e econômicos, chega a fazer esta preocupante afirmação: “Vivemos um momento que fará 1964 parecer uma coisa muito simples.” Antes, esclareço: fazer referência ao pensamento de Marilena Chauí é mais do que uma obrigação, por se tratar de uma pensadora renomada, com posições científicas de esquerda, mas não da esquerda festiva retratada em slogans corriqueiros como o povo unido jamais será vencido, ou ainda “meu partido é meu país”, frase declaradamente nazista, porquanto se origina da luta contra a social-democracia, quando o nazismo se opõe à República de Weimar e leva, segundo Chauí, a pensar que os partidos políticos roubam ou tomam para si as ações políticas que caberiam exclusivamente ao governante, uma vez que a este deve emanar, de modo transcendente, toda a decisão política.
Nessa entrevista, Marilena Chauí, como petista histórica, fala sobre o nascimento do PT, que surge dos movimentos sociais, uma vez que “a História do Brasil era contada como história das mudanças no aparelho do Estado e das decisões tomadas pelo Estado. O Estado aparecia como sujeito histórico, político e econômico, como se não existisse uma sociedade nem uma luta de classes”. Houve necessidade de se mostrar que não só o Estado, mas a sociedade brasileira existe, assim como os movimentos sociais e populares. “Os movimentos sociais começaram a se organizar; os sindicatos criam as comissões de fábrica no ABC e fazem as greves. É desse momento histórico que nasce o PT. Nós surgimos – diz Marilena Chauí – da ideia de que a história do Brasil e a sociedade brasileira não são feitas pelo aparelho do Estado e de que o Estado não é o sujeito social. Existe a luta de classes e é no interior do conflito que se criam as bases da democracia. O PT se originou, então, de atos de desobediência civil.” E conclui nessa passagem de sua fala: “Mas isso os jovens não sabem, porque eles só conhecem o PT como um partido institucionalmente posto, envolvido nas questões do Estado e governamentais, como se isso desse conta de toda a história do PT.”
A entrevista dessa filósofa é riquíssima e deveria ser objeto de debate e estudo em universidades, hoje mais do que nunca, vítima de um pensamento único que lhe é imposto pela grande mídia. Sobre a esquerda, Chauí vê com grande preocupação o poder do grupo dos “3B”: o boi, a bala e Bíblia, que representam pontos de sustentação conservadora e autoritária no cenário das forças políticas brasileiras, constituindo-se “numa regressão sociopolítica fora do comum. É uma pauta regressiva, antidemocrática, de violação de todos os direitos que foram conquistados ao longo dos últimos anos. Todo o fundo reacionário protofascista que existe no Brasil e que é alimentado pela classe média urbana brasileira veio à tona e pegou as esquerdas completamente desprevenidas. (...) É uma ameaça de golpe para reverter o processo de consolidação dos direitos sociais obtidos nos últimos anos e sustentada pela pauta ‘boi, bala e Bíblia’”. Mais ainda: “Agora, de um lado temos o Eduardo Cunha, com as igrejas evangélicas, e, de outro, o Alckmin (governador de São Paulo, pondo a polícia contra estudantes), com a Opus Dei. É demais da conta! Eu venho de uma tradição em que a grande aliança era sustentada pela Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base. Ver cristãos perdidos entre os evangélicos e a Opus Dei é demais; é insustentável para minha cabeça porque eu vi a outra experiência que o cristianismo é capaz de ter e que teve na América Latina inteira.”
Sobre a direita e a esquerda, Chauí é peremptória, quanto à ausência de pensamento, ou seja, de fundamento ideológico, a justificar posturas de movimentos sociais com características niilistas, que leva ao autoritarismo e à violência. E chega a esta conclusão: “Estamos em uma situação aterradora: do lado da direita e da esquerda há ausência de pensamento. Você conversa com alguém da direita e vê que ele é capaz de dizer quatro frases contraditórias e sem perceber as contradições. Você conversa com alguém da extrema esquerda e vê o totalitarismo que também opera com a ausência de pensamento.” A solução, como há ausência de um debate ideológico, é a destruição do outro. Qualquer contestação é “crise”, identificada como desordem e, para manter a ordem, reprime-se, botando a polícia em cima dos desordeiros, como tem ocorrido em São Paulo. Por último, Marilena Chauí finaliza com denúncia que deve ser refletida: todo mundo sabe que o Estado brasileiro investe. O BNDES liberou todos os recursos para os empresários brasileiros, mas eles não investiram. E conclui: “A burguesia brasileira mama nas tetas do Estado desde que ela nasceu. E tem a ousadia de se colocar contra os programas sociais, quando ela depena o Estado sistematicamente.” A filósofa voltou aos seus velhos tempos de luta, quando esteve à frente combatendo a ditadura, que tantos males causou às nossas instituições.
Edição Nº 15543
A filósofa Marilena Chauí
Aureliano Neto
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