Sempre fui um cinéfilo. Um curtidor da velha e sempre renovada arte cênica. Dois cinemas, em São Luís, no espaço entre a infância e adolescência, me marcaram muito: o Rialto, na rua do Passeio, e o Éden, na rua Grande. O Rialto, muito mais na infância, época em que a leitura era o gibi – as tão apreciadas revistas em quadrinhos: Zorro e Tonto, Cavaleiro Negro, Fantasma, Roy Rogers, Mandrake, com o seu inseparável companheiro Lothar, Tarzan e macaca Chita. Enfim, eram tantos heróis, como o Homem de Aço e o Capitão Márvel. O Éden, um cinema mais elitizado, onde o café society se fazia presente nas soirées dos domingos, a partir das sete ou sete e meia da noite. O início das sessões era às oito horas e quinze. Havia sala de espera. Bomboniere e confortáveis poltronas para aguardar o sinal para o início da projeção, sempre antecedida de um trailer, ilustrado com o informativo da Atlântida e a divulgação dos filmes da semana seguinte.

Havia um outro cinema nas proximidades do Éden: o Cine Rival. Rialto e Rival eram cinemas mais populares, cujo público que freqüentava, era a juventude mais inquieta. Os gritos faziam parte daquela endiabrada assistência. E muito mais estridentes e agressivos, quando ocorriam cenas em que o bandido se encontrava em desvantagem com o artista, nas lutas do bem contra o mal. Essa dicotomia era indispensável para esse público:bem e mal, artista e bandido, sendo este no fim derrotado.  Os Brutos Também Amam foi um filme, à época, que eletrizava a platéia. Não havia cadeira de cinema que suportasse o entusiasmo daquela turma irrequieta. Aquela luta, travada pelo mocinho, no bar na qual leva vantagem sobre seus contendores, foi motivo de grandes entusiasmos desses entusiastas espectadores.

Assistia-se aos filmes aos domingos, na sessão das tardes, com início por volta das quinze e quinze. No horário tradicional da época: três e quinze. Almoçava-se, saia-se de casa e ia-se caminhando pelos atalhos, para chegar a tempo de comprar o ingresso e sentar num bom lugar. E ainda poder saborear um picolé, ou de murici, coco, maracujá, morango, ou de qualquer fruta, contato que fosse picolé. O bar do desfrute desse deleite era do seu Zuza, um senhor, de cabelos brancos, que sabia ter paciência com aquela barulhenta meninada. Um fato interessante: nesses cinemas e esse horário vespertino, não se viam mulheres. Os freqüentadores eram só garotos ou jovens adolescentes. Um dos hobbies da turma do Rialto e do Rival era a troca de revistas. Uma nova era permutada por três. Ou, dependendo do estado de conservação, duas ou quatro. Em que pese todo esse processo comunitário de relacionamento, quase sempre havia uma boa briga, condimentada por rasteiras, safanões, insultos, recheados de palavrões e a tradicional ofensa à mãe, e alguns bogues, só refreada pela turma do deixa-disso. Era algo apoteótico, até porque, ainda por cima, iríamos ver na tela grandes confusões entre o nosso artista preferido e os bandidos, homens sempre barbudos, com um cigarro pendente nos lábios e com cara de mau.

O Éden, nesse período, freqüentava-o esporadicamente. Mas, na adolescência, quando já era linotipista, e o jornal tinha permanente (uma espécie de entrada que era usada por toda oficina), passei, com recursos próprios e recorrendo a essa concessão gratuita, a ter mais assiduidade. Além de o Éden ser um bom cinema, passava grandes filmes considerados clásscos, como E o Vento Levou, Madame X, Bonequinha de Luxo, Spartacus, Quo Vadis, todas as chanchadas da Atlântida, Os Brutos Também Amam, Duelo de Titãs, Adivinhe Quem Para Jantar, Ao Mestre com Carinho, Disque M para Matar e tantos outros, cujos enredos ficaram entranhados no sentimento da eterna saudade.

Rialto, Rival e Éden eram alguns dos muitos cinemas que propiciavam o prazer de um agradável e feliz fim de semana. Não havia shopping. Ainda bem. Pois, de outro modo, receberiam a grave ofensa de serem chamados de cinema de rua.

Pois bem. Por que estou com essa conversa sobre filmes e cinema? Um pouco de reminiscências, por ter, creio, uma boa coleção de filmes. E aproveitei esse momento de isolamento social, primeiro para socializar-me e, segundo, para rever alguns e assistir a outros pela primeira vez.  No meu acervo, encontrei um box de filmes, que reúne seis clássicos antinazistas, em três DVDs, rotulado de Hollywood contra Hitler. Todos produzidos entre 1939 a 1943, em plena efervescência do nazismo. Desses filmes, destaco: Uma aventura em Paris, Tempestade d’Alma (excelente), Sétima cruz e Filhos de Hitler. Obras que traduzem os sentimentos de dor e repúdio de uma época contaminada pelo sofrimento. Ao assistir a esses filmes, voltei meu pensamento para o momento atual. E percebi que o homem nada aprendeu com a história. O ódio permanece intacto como veneno desumanizante e de desamor ao outro. Quanto ao mito Hitler, definido como o sol que brilhava sobre os nazistas, fez-se a troca pelo dinheiro, pela morte, pelo autoritarismo, pelo escárnio, pelo ódio. Mas continua-se a reverenciar Führer, agachando-se e pondo-se a mão no peito para saudar a indiferença.

* Membro da AML e AIL.