Muito antes de Cristo, o Código de Hamurábi estabelecia como retribuição taliônica do delito a regra: "Violação por violação, olho por olho, dente por dente". Esse modelo punitivo é do passado, que não mais se admite, porquanto fere o princípio da humanidade, por ser, no exame de cada caso, desproporcional e cruel, como sanção a ser aplicada ao infrator. Em todas as esferas de controle de conduta, quer penal, quer administrativa, a pena sempre deve ser uma resposta proporcional à infração. Claus Roxin, renomado jurista alemão, referindo-se aos limites punitivos, sustenta que "se a pena deve 'corresponder' à magnitude da culpabilidade, está proibido de impor lição através de uma penalização drástica nos casos de culpabilidade leve". Sem maiores rebuscamentos teóricos, é dogma de nossos tempos, com ares de modernidade, que a sanção de qualquer natureza não pode ser desproporcional ao delito praticado, assim não representando o retrógrado discurso moral da vingança.

Dito tudo isso, passo a me referir ao caso concreto. Num dos jogos da Copa do Mundo, o atleta da seleção do Uruguai, Luis Suárez, conhecido por "Luisito", "o Pistoleiro", "o Matador", ou ainda "Lucho", sofreu uma duríssima punição, por ter realizado um ato de agressão, ao morder o ombro o zagueiro Giorgio Chiellini, em disputa com a seleção da Itália. Embora negado inicialmente, o flagrante foi mostrado ao vivo pelas câmeras de TV, que transmitem as imagens da competição para todo o mundo. Jogo terminado, Uruguai venceu a seleção da azurra, tirando-a do mundial. Ficou a especulação dos porta-vozes da mídia, que aguardavam a atitude punitiva da FIFA. Antes do jogo eliminatório do Uruguai contra a Colômbia, a FIFA divulgou a pena aplicada ao agressor: suspensão de nove jogos e mais quatro meses de proibição de exercer a sua profissão de jogador de futebol, além da condenação do atleta em alguns milhares de euros. 
Não tenho nenhuma dúvida de que pena aplicada pela FIFA se mostra desproporcional ao delito. A vítima da agressão, o jogador Giorgio Chiellini, manifestando-se sobre a drástica punição, disse que a fórmula proposta foi excessiva. Maradona, a lenda argentina, que não tem freios ao verbalizar seu descontentamento, foi incisivo, perguntando: "- Quem ele matou? Por que não o mandaram para Guantánamo?" Como não poderia ser diferente, o povo e o governo uruguaio não gostaram. Foram à rua reverenciar o seu ídolo, que, de agressor, passou a ser vítima. Bem. Na verdade, a vítima da mordida de "Luisito" Suárez não foi o zagueiro da seleção italiana, mas o espetáculo, o futebol. Porém, deve ser lembrado, esta não é a primeira agressão controvertida em campos de futebol. Numa dessas copas, se não me engano o mundial da Alemanha, o craque da França, Zidane, deu uma cabeçada no zagueiro italiano Materazzi. Pois é: sempre a Itália. Foi expulso do jogo e recebeu a punição dada pela FIFA, que consistiu na suspensão por três jogos. Nada mais. Punindo, a FIFA não extrapolou o seu direito de punir. A sanção aplicada foi proporcional à infração cometida. No caso, de Luis Suárez, não. A punição a ele dada é extremamente desproporcional, embora se trate de uma agressão imprópria, pouco comum num campo de futebol, mas corriqueira em outros esportes, como nos embates de luta livre.  
Dois astros, que muito ajudaram a construir a história do futebol, se manifestaram de forma equivocada. Pelé e Franz Beckenbauer. Um brasileiro, e outro alemão. O primeiro, através de entrevista, e o segundo, por texto publicado em jornal. Ambos disseram que a punição foi correta. Pelé: - Porque tem que dar exemplo. Beckenbauer: - As sanções são mais que justificadas. Ronaldo Fenômeno falou algumas bobagens, referindo-se a quarto escuso, lobo mau e coisas tais. Porém, não é bem assim. Na cabeçada de Zidane, infração inapropriada, como ocorre com a mordida leve, para o jogo de futebol, a punição ficou limitada à suspensão de três jogos. E foi uma intencional cabeçada, também vista pelos telespectadores do mundo inteiro. Já a pena de "Luisito", se mostra desproporcional, porquanto contém conseqüências graves, afetando a vida do atleta de forma violenta, uma vez que lhe cerceia o sagrado direito de exercer a sua profissão, durante um longo período de quatro meses. Tem um perfil de banimento. E ainda lhe retira a possibilidade cumprir contratos. Afeta, ainda, a sua vida como ser humano e seu convívio familiar, impondo sofrimento à mulher e filhos. É uma sanção desumana, firmada num discurso moralista de vingança e "tolerância zero", quando deveria ter caráter pedagógico e de recuperação do infrator.
Nem a FIFA, nem Pelé, nem Beckenbauer leram Cesare Beccaria, que, na secular obra Dos Delitos e das Penas, no capítulo que trata da proporcionalidade das penas e dos delitos, ensina, singelamente: "Deve, portanto, haver uma proporção entre os crimes e as penas." Ora, é lição palmar: pena não é vingança. Em Vigiar e Punir, Foucault abre o livro relatando o cruel suplício de Damiens, que, submetido a todo tipo de atrocidade, tem o seu corpo e membros esquartejados e reduzidos a cinzas. Foucault denuncia as penas cruéis e desproporcionais, que em nada contribuíram para melhoria da vida social. "Luisito" foi infrator e vítima de uma pena abusiva, que o exclui do exercício de sua profissão. Como assevera um psicanalista, houve uma fúria punitiva contra a mordida. Que pena!