Esta frase foi dita por Fidel Castro, segundo consta no caderno especial, publicado pela Folha de São Paulo, edição de 27 de novembro, sob o título "Fidel - Morre o último mito comunista". Com a seguinte ressalva explicativa: "A frase completa é algo mais longa: 'Podem condenar-me, não importa, a história me absolverá'." Esclarece o texto que foi pronunciada por Fidel como advogado de si mesmo, quando do julgamento, em 1953, dos militantes insurretos que tentaram ocupar o quartel de Moncada, um dos principais fortes do exército do ditador Fulgêncio Batista. Pois bem. O mundo despertou no dia 26 de novembro com a notícia da morte de Fidel Castro. Personalidades que o conheceram foram ouvidas. Algumas, numa simples expressão de espanto, não contiveram a sua perplexidade, como Donald Trump, que apenas suspirou: "Fidel Castro está morto!", como se estivesse a receber a inacreditável notícia da morte de um mito eternizado na história. Mas a grande questão que se levanta com a morte do grande líder e comandante cubano é: a história o absolverá?
A própria história de luta, a luta pelo seu povo, ao lado dos seus companheiros de guerrilha, na derrubada da ditadura de Fulgêncio Batista, instalada em 1952, com o apoio dos Estados Unidos, é que responderá a essa provocativa indagação. A leitura do caderno especial da Folha nos dá alguma luz esclarecedora da força carismática de Fidel Castro, ao liderar a Revolução Cubana, uma das insurreições mais importantes do século XX, porquanto deflagrada no continente latino-americano, área de total influência norte-americana, tanto política como economicamente. E isso, deve ressaltar-se, a partir da formulação, em 1823, da doutrina Monroe, inaugurada pelo presidente dos EUA James Monroe, e fundamentada em três princípios: impossibilidade de criação de novas colônias ao longo do continente americano, vedando ambições expansionistas por parte de potências extracontinentais; não admissão de interferência de nações europeias em questões internas, cuidando-se da prevalência do regime republicano, a ser defendido das ambições monárquicas europeias, e a não participação norte-americana em conflitos envolvendo países europeus, mas com o reconhecimento da fragilidade das novas repúblicas latino-americanas para defender-se, sem a ajuda dos Estados Unidos. Com essa doutrina, os Estados Unidos passam a ser os guardiões da segurança de todo o hemisfério americano. Cuba, no curso de sua história política, sofre sucessivas intervenções, como ocorreu, em 1903, com o governo Theodore Roosevelt, que, com apoio na Emenda Platt, autoriza a instalação de uma base militar em território cubano, na bacia de Guantámano. E não só Cuba, como todo o continente latino-americano passa a sofrer nefastas interferências norte-americanas. As intervenções se sucedem, a dependerem dos interesses que estão em disputa. A respeito, algumas referências: em 1963, Juan Bosh, presidente eleito da República Dominicana, é deposto por golpe militar, reconduzido, volta a ser deposto por ação direta dos Estados Unidos; em 1964, os presidentes do Brasil, João Goulart, e da Bolívia, Víctor Paz Estensoro, são depostos por golpe militar, com o apoio norte-americano. Em 1973, há rupturas institucionais no Uruguai e no Chile. Em 11 de setembro, Salvador Allende, eleito em 1970, é derrubado por golpe comandado pelo general Augusto Pinochet, com a participação da CIA.
Como norma intervencionista, a doutrina Monroe, sempre aplicada no continente latino-americano, objetiva preservar os interesses políticos e econômicos dos ianques, como ocorreu no Brasil com o golpe de 1964. Fortalecidos, após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos assumem em definitivo, mais ainda em face da guerra fria, a sua face cruel de defensor da liberdade, mas, contraditoriamente, apoiando todos os regimes, ditatoriais ou não, que lessem e seguissem a sua cartilha colonialista.
Fidel Castro, ao liderar a Revolução Cubana, representou a resistência armada e ideológica. Rotulado de ditador, a sua morte física não elimina o que ele é para a história do continente latino-americano, constituindo-se num símbolo da luta revolucionária, opção assumida pela libertação do seu povo do jugo nefasto dos Estados Unidos. Cuba nada mais era do que o quintal norte-americano, do turismo sexual e da jogatina em atrativos cassinos. E Fidel não professava a ideologia comunista. Por ser filho de família próspera, defendia a propriedade privada. Feita a revolução, com a tomada do poder, tentou dialogar com os Estados Unidos, a resposta que lhe foi dada veio através do bloqueio comercial decretado, em outubro de 1960, pelo presidente Dwight Eisenhower, com rompimento, em janeiro de 1961, das relações diplomáticas e ainda a frustrada invasão da Baía dos Porcos, por homens treinados pela CIA. Não lhe restara outra alternativa a não ser aliar-se à União Soviética. Sofre o brutal bloqueio econômico, com gravíssimas consequências para o povo da ilha. Cuba resistiu. Optou pelo fechamento do regime, pois, fatalmente, teriam Fidel e os revolucionários o fim trágico de Salvador Allende, assassinado no Chile, pelas forças golpistas dos Estados Unidos.
Segundo o texto do caderno especial, na Cúpula de Copenhague, Fidel preferiu o dramaturgo espanhol Calderón de la Barca e recitou: "Toda vida é sonho e, os sonhos, sonhos são." E conclui: Para Fidel Castro Ruz, "os sonhos terminaram ontem". Não penso assim: a morte de Fidel faz dos seus sonhos sonhos eternos. E a história lhe dará veredicto final. Quem sabe, o absolverá!
Edição Nº 15769
FIDEL: "A história me absolverá"
Aureliano Neto
Comentários