A ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, que também é Corregedora do Conselho Nacional de Justiça, CNJ, fez palestra no Seminário do Poder Judiciário e Novo CPC, promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM, e realizado, nos dias 26 a 28 de agosto deste ano, no auditório do STJ. Esse evento contou com a presença de mais de mil magistrados, entre juízes, desembargadores e ministros. Foram vários os temas expostos e debatidos, como, por exemplo, “A Força Vinculante dos Precedentes/Jurisprudência no Novo CPC”, “Recursos Repetitivos”, “Cumprimento de Julgados e Execução no Novo CPC”. Após as palestras, seguiram-se as oficinas, onde outros temas processuais foram discutidos para concluir-se pela elaboração de enunciados, tendo sido elaborados, votados e aprovados 62, abrangendo as regras de procedimento mais controvertidas, quanto a sua interpretação, do novo Código de Processo Civil, cuja Lei n.° 13.105, de 16 de março de 2015, que o instituiu, entrará em vigor no mês de março de 2016.

A palestra da ministra Nancy Andrighi versou sobre “Juizados Especiais”, constituindo-se numa rica e alentadora mensagem, de uma conhecedora que vive a luta diária do Poder Judiciário, além de ser uma advertência para todos magistrados e para a cidadania brasileira. Representou uma aula magna, de grande relevância teórica, sobre os Juizados, sem deixar de referir-se ao verdadeiro poder do juiz, no exercício da jurisdição. Sobre esse ponto, numa demonstração do seu conhecimento pessoal, a Ministra Nancy disse à atenta plateia: “Penso que devo falar-lhes de uma constatação que fiz à beira de 40 anos de magistratura: o juiz só tem poder às inteiras quando trabalha no primeiro grau de jurisdição e, quando mais se acende na carreira menos poder temos.” E acrescenta essa insigne magistrada, que tem enobrecido a magistratura brasileira como Corregedora do CNJ: “Racionem comigo: para reformar uma sentença, precisamos de três desembargadores, portanto o poder de cada um foi reduzido a apenas um terço do que detinha como juiz; para desconstituir um acórdão precisamos de cinco ministros, assim nós detemos apenas um quinto do poder que tínhamos. Assim, o juiz  do primeiro grau de jurisdição é o que detém integralmente o poder jurisdicional, embora todas as decisões e sentença podem ser submetidas ao segundo grau de jurisdição.”
Ao tratar dos Juizados Especiais, sustenta a Ministra Andrighi ser um novo Sistema de Justiça, “com arcabouço singular, regido por critérios próprios que a fazem ser um modelo de processo simples, célere, informal, econômico e oral, cuja base é constitucional – art. 98, inc. I”.  E, referindo-se à Lei 9.099/95, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais, afirma tratar-se da “Lei-mãe”, “que orientou todas as demais leis que instituíram os demais Juizados Especiais Federais e os Juizados da Fazenda Pública”, ressaltando que nela “se verifica que nas Disposições Finais dos Juizados Especiais Cíveis não determinou a aplicação do Código de Processo Civil nem em caráter subsidiário”, cujo comportamento foi diverso em relação aos Juizados Especiais Criminais (art. 92).
E, sem mudar o tom de quem tem pleno domínio sobre o tema, ponteia a Ministra Nancy Andrighi que “de modo diferenciado e seguindo a especialidade do microssistema de Justiça disciplinou expressamente quando a Lei 9.099/95 pretende que se aplique o CPC, o fez, expressamente, no art. 30, ‘in fine’, art. 52 e 53, marcando o apartamento dos sistemas da justiça tradicional e o sistema da justiça especial”, para, em seguida, enfatizar: “O novo Código de Processo Civil em nada alterou o sistema dos Juizados Especiais”, a não ser nas regras que especifica, quando o legislador do sistema processual geral, de forma indevida, fez interferência no microssistema dos Juizados Cíveis (arts. 985, 1.062, 1.063, 1.064, 1.065 e 1.066, NCPC).
Fazendo ácida e procedente crítica, acentua a Ministra Nancy, com absoluta razão, que o Código de Processo Civil, que regula a Justiça tradicional, contaminada pelo exacerbado formalismo, não poderia, como o fez, interferir no sistema dos Juizados Especiais, considerando a diversidade de cada um dos sistemas. Em seguida, enfatiza: “Jamais poderíamos aplicar o Código de Processo Civil, nem em caráter subsidiário e tampouco nas eventuais omissões procedimentais da Lei 9.099/95, porque enquanto o processo nos Juizados Especiais se rege pelos critérios da oralidade, simplicidade e informalidade, na justiça tradicional o processo é regido pelo rigorismo das formas e tecnicismo regulado pelo Código de Processo Civil.” E disse mais a Ministra Andrghi: “Nunca é demais afirmar que não há aplicação do Código de Processo Civil, nos processos que tramitam perante os Juizados Especiais, sob pena, de igualarmos a Justiça especial à Justiça tradicional.”
O forte recado da Ministra Nancy Andrighi foi dado para toda a magistratura brasileira. Se não servir como aula de quem luta pela Redescoberta dos Juizados Especiais, pode, na pior das hipóteses, para os mais ajuizados (de Juizados) servir como um despretensioso conselho de uma magistrada que fala do alto dos seus 40 anos bem vividos nas atividades jurisdicionais. Todos devemos meditar, responsavelmente, se quisermos enfrentar os cento e cinco milhões de processos que enchem as prateleiras virtuais ou não do Poder Judiciário.