Aureliano Neto*

Essa premissa parece ser verdadeira. Se existo, eis razão por que penso. Por pensar, um dos graves problemas do homem é sempre buscar resposta para o sentido da vida. Enfim, vivemos para quê? Ou, ainda, numa indagação mais ampla, questiona-se, desde o acordar e até nos sonhos ou nos nossos pesadelos, o que seja a vida. E aí vem a indagação simples, mas nem sempre com a resposta imediata: o que é a vida? As várias correntes do pensamento filosófico estão a buscar uma resposta definitiva. Sem êxito. Vive-se. Pensa-se. Ou pensa-se que se vive. Ponto final. Será? E, dizem os materialistas, o existir como seres vivos e pensantes faz parte de nossa natureza. Mas nós existimos e pensamos. Ou, como diz conclusivamente René Descartes, o iniciador da filosofia moderna e o criador da filosofia da dúvida, em suas meditações, na célebre sentença: "Penso, logo existo." Frase primacial que ressoou pelo mundo inteiro, originando-se da indagação cartesiana: "O que é que eu sou, então? Uma coisa que pensa." Assim, quis dizer que não existimos porque pensamos, mas pensamos porque existimos.
A vida exige de cada um de nós que, para existirmos, pensemos, ou que pensemos, para existirmos. Parece um paradoxo. De fato, é um paradoxo. Um necessário paradoxo, que nos explica a partir da reflexão que fazemos para encontrar resposta para vida ou para o sentido da vida. Há quem diga que, sendo o homem um ser racional, a ele cabe dar sentido à própria vida, já que nossa vida não precisa de sentido para justificar a nossa existência. Existimos, e esse fato faz parte de nossa natureza. Sartre, já aqui lembrado algumas vezes, autor de O ser e o nada, formula a tese de que a existência precede a essência, isto querendo dizer: o ser humano existe antes de sua própria essência. Em resumo, nessa concepção, há, antes do ser, uma consciência que antecede a existência. É o existencialismo a partir dessa existência consciente.
Não sou filósofo. Apenas penso. E essas ligeiras reflexões me vêm de uma conversa que mantive com um dileto amigo. Companheiro de decisões conjuntas. Algumas com algum grau de complexidade, por envolver patrimônio, vida, honra, enfim conflitos patrimoniais e pessoais. Dizia-lhe que preferia a prudência ao bom senso. Acentuava-lhe que tinha certa implicância com a rotineira e por vezes inadequada expressão bom senso, usada a toque de caixa para justificar a aplicação de cuidado pessoal na solução de controvérsias. Deduzia, com a veemência dos meus arroubos, nem sempre compreendidos, que prudência era mais adequada do que o bom senso. Passados alguns minutos de introspecção, esse meu dileto amigo, saiu do silêncio dos prudentes e perguntou-me por que a diferença entre prudência e bom senso. Sem delongas reflexivas, respondi-lhe que nem sempre ser prudente e ter bom senso, assim como nem sempre agir com bom senso é ser prudente. É só uma questão de pensar, de ter consciência, de projetar-se de forma consciente para alcançarmos a essência do que somos que se reflete nas nossas decisões. Bom senso todos nós temos, uns mais, outros menos. Mas nem todos têm na mesma medida, nem o bastante. Não é como uma caixa de remédio com dosagem suficiente para aplacar os males com a prescrição posológica recomendada bula. Por isso, para agir-se com bom senso, impõe-se ser prudente, que consiste na arte de escolher os melhores meios, tendo em vista alcançar um fim supostamente bom. Fui a André Comte-Sponville que disse: "Não basta querer a justiça para agir justamente, nem ser corajoso, temperante e justo para agir bem, é preciso escolher bens os meios para, de forma inteligente, chegar aos fins desejados." Prudência é virtude, a indicar o caminho a ser seguido. Bom senso não é virtude; é um dado pessoal, a mais ou a menos. O que para um pode não ser, para o outro é. Portanto, agir com prudência expressa uma consciência de uma projeção de nós mesmos como seres existenciais, que buscam meios para alcançar os melhores fins desejados.
Dostoiévski tem um conto (Um conto ridículo), cujo personagem é um homem que vagueia pelas ruas de Petersburgo com a ideia fixa de ser ou parecer ridículo. No cogitar reflexivo de sua existência, o personagem desse célebre escritor russo pensa sobre a vida. Para ele, tanto faz o mundo existir ou não, nada o preenche. E convence-se que daí em diante não haverá mais nada. Existencialmente esvaziado, vem-lhe a ideia do suicídio. Pensa: - não há outra alternativa. Dessa reflexão existencial, sem uma resposta que atenda aos seus anseios, o homem ridículo de Dostoiéviski chega à impossibilidade do existir, embora pense sobre a existência. Na penumbra do apartamento, põe a arma na mesa, fica absorto e sonho com a redenção de poder se superar e vencer o impasse entre o pensar e o existir. A dúvida cartesiana o corrói. Mas essa é uma dúvida existencial que persegue a todos nós até o momento final, quando tudo pode acabar para alguns, ou pode ser o recomeço para outros. Por isso, volta o paradoxo: existimos porque pensamos, ou pensamos porque existimos. Ora, não se trata de uma pobre descabida rima, mas, quem sabe, uma solução existencial, se encontrarmos a resposta. Confesso: ainda não encontrei.

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