Rubem Braga elaborou, sem ter intenção, uma antologia da poesia brasileira, ao criar, no ano de 1953, uma página na revista Manchete, onde semanalmente eram publicados dezenas de poetas. E fez essa seleção até o ano de 1956. Em 1979, retornou à coluna, dessa vez com as publicações na revista Nacional, que era um tabloide que circulava como encarte nos Diários Associados, indo até 1990, ano em que o cronista morreu. A coluna era denominada A poesia é necessária. Recentemente, por iniciativa de André Seffrin, especialista em literatura brasileira, foram selecionados cerca de 160 poemas e publicados em livro pela Global Editora. Seffrin fez uma antologia da antologia dos poemas preferidos de Rubem Braga. Ficou excelente.
Então, com isso, o que quero dizer? É que a poesia é necessária é uma criação de um escritor, que se notabilizou escrevendo apenas e tão somente crônicas, com um sentido estético de poeticidade profundo. O título acima foi pescado do velho Braga, como ele próprio costumava referir-se a si mesmo.
Esses excertos reproduzem passagens de poemas que se fazem necessárias ler-se. Não só poesia de poetas brasileiros, mas de autores estrangeiros, como a polonesa Wislawa Szymborska, ganhadora do prêmio Nobel de literatura de 1996. A ideia me veio da leitura que estava fazendo do livro de Cecília Meireles: Ou isto ou aquilo. Ela constrói os poemas dando às palavras um sentido de musicalidade, jogando-as umas contra as outras, para alcançar não a mensagem em si, mas o ritmo, a harmonia dos versos. O poema Ou isto ou aquilo traduz bem esse fazer poético: Ou se tem chuva e não se tem sol, / ou se tem sol e não se tem chuva! / Ou se calça luva e não se põe o anel, / ou se põe o anel e não se calça a luva! (...) Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, / ou compro o doce e gasto o dinheiro. / Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo... / e vivo escolhendo o dia inteiro! / Não sei brinco, não sei se estudo / se saio correndo ou fico tranquilo / Mas não consegui entender ainda / qual é melhor: se é isto ou aquilo. Cecília brinca com as palavras, com as suas ambivalências, como o faz no poema Passarinho no sapé: O P tem papo / o P tem pé. / É o P que pia? / (Piu!) / Quem é? / O P não pia: / O P não é. O P só tem papo / e pé. / Será o sapo? / O sapo não é. / (Piiu!) / É o passarinho / que fez seu ninho / no sapé. Faz o mesmo jogo de palavras com o poema Roda na rua: Roda na rua / a roda do carro. / Roda na rua / a roda das danças. / A roda na rua / rodava no barro. / Na roda da rua / rodavam crianças. / O carro, na rua.
Do livro Viagem, retiro o poema de forte sentido confessional: Retrato, no qual Cecília Meireles fala sobre intempéries do tempo: Eu não tinha este rosto de hoje, / assim calmo, assim triste, assim magro, / nem estes olhos tão vazios, / nem o lábio amargo. / Eu não tinha estas mãos sem força, / tão paradas e frias e mortas; / eu não tinha este coração / que nem se mostra. / Eu não dei por esta mudança, / tão simples, tão certa, tão fácil: / - Em que espelho ficou perdida / a minha face?
Não há resposta. A poesia traduz a reposta desse sentimento íntimo, que nem sempre se volta para o drama do poeta.
Szymborska, a nobel polonesa, em Possibilidades, expõe as preferências dos seus sentimentos: Prefiro-me gostando das pessoas / do que amando a humanidade (...) Prefiro as exceções. (...) prefiro o ridículo de escrever poemas / ao ridículo de não escrevê-los (...) Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem. E em Opinião sobre a pornografia, diz que não há devassidão maior que o pensamento. / Essa diabrura prolifera como erva daninha / num canteiro demarcado para margaridas. / Para aqueles que pensam, nada é sagrado.
O nosso poetinha Vinicius de Moraes, em Poética, define o seu tempo, o tempo do poeta: De manhã escureço / De dia tardo / De tarde anoiteço / De noite ardo / A oeste a morte / Contra quem vivo / Do sul cativo / O este é meu norte / Outros que contem / Passo por passo / Eu morro ontem / Nas amanhã / ando onde há espaço / - Meu tempo é quando. E Drummond, interrogativo: E agora, José? / A festa acabou, / a luz apagou, / o povo sumiu, / a noite esfriou, / e agora, José? / Você que é sem nome, / que zomba dos outros, / que faz versos, / que ama, protesta? / e agora, José? / Está sem mulher, / está sem discurso, / está sem carinho, / já não pode beber, / já não pode fumar, / cuspir já não pode, / a noite esfriou, / o dia não veio / o bonde não veio, / o riso não veio, não veio a utopia / e tudo acabou... / você marcha, José! / José, para onde? E em Pneumotárax, Bandeira nos deixa este eterno verso: A vida inteira que podia ter sido é que não foi. Satirizando, Leminski diz: um dia desses quero ser / um grande poeta inglês / do século passado / dizer / ó céu ó mar ó clã ó destino / lutar na índia em 1866 / e sumir num naufrágio clandestino. Por tudo isso, a poesia é necessária. Cora Coralina dá o seu conselho poético: Faz da tua vida mesquinha / um poema. / E viverás no coração dos jovens / e na memória das gerações que hão de vir. Poetize-se, pois.
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