No livro Ética e vergonha na cara!, de Mario Sergio Cortella e Clóvis de Barros Filho, dois grandes pensadores brasileiros, que caminham por esse Brasil a fora, fazendo palestras sobre temas o aspecto ético. Faço o relato: 

"Em uma corrida de cross-country, o queniano Abel Mutai, medalha de ouro nos três mil metros com obstáculos em Londres, estava a pouca distância da linha de chegada e, confuso com a sinalização, parou filosóficos e ética, Cortella, logo de início, fala do relativismo moral, referindo-se à ética da conveniência, resumida na expressão "se é bom pra mim, tudo bem". E ele nos conta uma história interessante sob para posar para fotos pensando que já havia cumprido a prova. Logo atrás vinha outro corredor, o espanhol Iván Fernández Anaya. E o que fez ele? Começou a gritar para que o queniano ficasse atento, mas este não entendia que não havia ainda cruzado a linha de chegada. O espanhol então o emperrou em direção à vitória. 
"Bom, afora o ato incrível de fair play, há uma coisa maravilhosa que aconteceu depois. Com a imprensa inteira ali presente, um jornalista, aproximando o microfone do corredor espanhol, perguntou: 'Por que o senhor fez isso?'. O espanhol replicou: 'Isso o quê?'. Ele não havia entendido a pergunta - e o meu sonho é que um dia possamos ter um tipo de vida comunitária em que a pergunta feita pelo jornalista não seja mesmo entendida -, pois não pensou que houvesse outra coisa a ser feita que não aquilo que ele fez. O jornalista insistiu: 'Mas por que o senhor fez isso? Por que o senhor deixou o queniano ganhar?'. 'Eu não o deixei ganhar. Ele ia ganhar'. O jornalista continuou: 'Mas o senhor podia ter ganho! Estava na regra, ele não notou...'. 'Mas qual seria o mérito da minha vitória, qual seria a honra do meu título se eu deixasse que ele perdesse?'. E continuou dizendo a coisa mais bonita que eu li envolvendo a questão ética do cotidiano: 'Se eu ganhasse desse jeito, o que ia falar para a minha mãe?'."
Provocado, Clóvis de Barros Filho faz este comentário: "A lógica do resultado, da meta e do sucesso acaba se impondo de tal forma que os procedimentos e a maneira de atingir um objetivo acabam sendo sucateados e colocados como uma questão menor." E acrescenta, ainda: "Tenho nítida impressão que, toda vez que estamos diante de dilemas existenciais, é muito importante observarmos o duelo entre esperança e temor. (...) Muitas das atitudes indignas e desonrosas que observamos acabam sendo a vitória da esperança sobre o temor." A esperança se sedimenta numa situação imaginada que traz vantagem à pessoa, sendo-lhe boa e prazerosa. O temor consiste no apequenamento diante dessa situação imaginada. E essa esperança - não como virtude - mas como uma expectativa do sucesso que ultrapassa o risco do temor, origina "uma expectativa de que o delito compense a eventual situação da penalidade".
Pois bem. O exercício da magistratura exige, como qualquer outra função, e muito mais ainda, a observância de uma conduta ética. O magistrado, investido na missão julgar, exerce uma das funções mais importantes de poder. É, por isso, sal, luz, consciência e ciência. Não lhe convém as luzes da ribalta, nem as boas, nem as más companhias. A sua maior companhia é a família, que estará ao seu lado no momento de suas reflexões para decidir os conflitos de interesses. Deve agir com ética, sem lado, sem influência de amizades, e sem quaisquer preconceitos.
No filme Em nome do povo italiano, dirigido por Dino Risi, conta-se a história de um juiz que recebe o dossiê de uma jovem que talvez tenha se suicidado ou tenha sido assassinada. Esse juiz se encontra revoltado com a corrupção dos meios políticos e empresariais. Ao instruir o caso, toma conhecimento que a moça trabalhava como garota de programa para esses homens. Investigando, chega a um nome de um desses empresários. Recebe, em seguida, um caderno escolar da moça. Lendo-o, descobre que é um diário, no qual ela contava da sua depressão, falava em morte, em suicídio. O juiz destrói esse diário, com velado intuito de condenar o empresário corrupto. Foi uma atitude ética ou antiética? Esconder provas ou divulgá-las sem que sejam submetidas a um contraditório, é conduta ética? Decidir em detrimento de uma parte para, ideologicamente, favorecer outros segmentos, é ético, ou é apenas a ética da conveniência? O magistrado pode participar da divisão do bolo do poder? Pelo menos, uma escassa minoria, na qual me incluo, penso que não. Em passado recente, a "valentíssima" ministra Eliana Calmon, preparando-se para a carreira política, graças a Deus infrutífera até agora, tachou com ênfase os magistrados brasileiros de "bandidos de toga". Recebeu aplausos gerais. Mas, candidata, não se elegeu. Aviso importante: quem quiser fazer política, faça, sem a toga; quem quiser ser magistrado, apenas o seja. Essa é a ética da magistratura, e não a ética da conveniência. Outro aviso: o maior prêmio recebido por um magistrado é um dia, ao chegar ao final, ter a sua consciência em paz de que não fez injustiças. E nada mais! 

* Membro da AML e AIL