O tempo é móvel. Passa. A eternidade é imóvel. Fica. Há coisas que passam e há coisas que se eternizam. Amamos e desejamos, a um só tempo, com ou sem intensidade, a depender do tempo. O homem é corpo e espírito, razão pela qual ama e deseja. Na Grécia antiga, amor era um deus poderoso, simbolizado por Eros. E Eros: amor ou desejo? Pode ser os dois ou nenhum. Com o cristianismo, o amor deixa de ser um deus e torna-se a forma de relação entre o ser humano e o Deus único. Amar a Deus, acima de todas as coisas, mandamento primeiro, e amar ao próximo como a si mesmo, o segundo, que, se cumprido, o mundo teria menos desigualdade, ou se viveria a utopia da igualdade.
Passado, presente e futuro representam o que Platão denominou de “imagem móvel da eternidade”. Vivemos o presente como depositários do passado e na expectativa do futuro, que está sempre presente. Não sei se cabe nessa conversa. Um personagem do filme Sob o Sol de Toscana (que filme gostoso!), ao referir-se ao arrependimento e ao tempo, faz esta interessante afirmação, que tive o cuidado de anotar: “Arrependimento é perda de tempo; é o passado destruindo a gente no presente.” Talvez haja aí algum sentido nessa necessidade de que a gente tem de viver apenas o presente e as suas circunstâncias. O passado não existe; passou . E o futuro ainda não existe. Talvez nem virá; se vier, é de insensível transitoriedade. Chico Xavier, pensador espírita, diz que “ninguém pode voltar atrás e fazer um novo começo; mas pode recomeçar e fazer um novo fim”. O tempo nos limita como seres humanos. Temos início e fim. A eternidade, não. É infinita. Penso eu.
Mas tudo isso são questões filosóficas, tratadas de passagem por mim, que nada entendo de filosofia. Apenas aqui e acolá leio alguma coisa a respeito, sem grandes comprometimentos. Ler O Banquete, de Platão, é um bom exercício mental para se ter uma ideia do amor puro, desinteressado. O Eros, e não o ágape. E o diálogo dos deuses com os homens, na busca da completude, da outra metade.
Sem mais prolegômenos, como diria o orador que se perdeu no tempo. Vou ao ponto. Preocupado com o tempo e com o seu curso indefinido, o ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, político que já serviu vários governos, de multicolorações ideológicas, vendo o desmonte que a operação Lava Jato está fazendo na república do Temer, preocupou-se com a eternidade do seu rumo e bradou: “A Lava-Jato precisa caminhar rumo a definição final.” Ou seja: não pode eternizar-se. De outro modo, como o refrão do samba popular: se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão. Mas Eliseu, político calejado de servir e ser servil, sabe onde o sapato aperto, ao ver o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, flagrado com dinheiro de propina na Suíça, dar o fora, fazendo companhia ao famigerado Romero Jucá e ao não menos notório Fabiano Silveira, que ocupava, vejam bem, o ministério da Transparência. Imaginem só se fosse da Obscurocência (ou da Escondocência), neologismos apropriados para situação vivida pela república do Temer, formada pelo pessoal do PMDB, PSDB e inúmeros etcéteras.
Eterna mesma é Marilyn Monroe, que completaria 90 anos de idade, tendo morrido aos 36 anos. Ainda que não tenha sido brindada com a estatueta do Oscar, deixou filmes inesquecíveis como Os Homens Preferem as Louras, O Pecado Mora ao Lado e Quanto Mais Quente Melhor, além de ter cantado, com jeito de MM, parabéns para Kennedy. Eterno é Luiz Gonzaga, que teve a ventura de reinventar o baião, espalhando pelo mundo a cultura sertaneja. Neste São João, na eternidade desses cantos, somos compelidos a olhar pro céu e ver como ele está lindo, pois, como diz o eterno poeta do sertão, foi numa noite igual a esta / que tu me deste o coração / o céu está assim em festa / pois era (e é) noite de São João. Isso é eterno. O tempo não morre. Passa, apenas.
Eterno, e eternamente eterno, é Romaria, essa oração de Renato Teixeira, cantador que ilumina a mina escura e funda, o trem de toda uma vida; por isso somos caipira, Pirapora Nossa Senhora de Aparecida; sendo de sonho e de pó, o destino de um só, dessa vida cumprida a sol. Eterno é todo cantador, todo poeta, cuja criação o tempo não apaga. Eterno é Belchior, a nos alertar, no seu canto atemporal, que viver é melhor que sonhar e ainda: apesar de termos feito tudo, tudo, tudo, ainda somos os mesmos e vivemos, e vivemos como os nossos pais. Isso é eterno. Nada disso tem começo, porque, como em Gênese, Deus eternizou o mundo, o artista eterniza-se na sua criação, atravessando a mobilidade do tempo como o trem de uma vida, a percorrer a imensidão infinda de trilhos, sem ter uma estação derradeira. Eterno é o amor, mesmo que eterno enquanto dure. Eterno é João do Vale, poeta que veio de Pedreiras, para nos dizer que a ema gemeu, e, na asa do vento, pisou na fulô, para não maltratar o seu amor. Essas são as nossas eternas eternidades, o que sobrar, para muitos que são passageiros da agonia, é a sujeira eterna da Lava Jato.
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