A divulgação desses grampos me levou a essa expressão, muita usada quando alguém ficava chateado com alguma coisa ou com a atitude desconcertante de outra pessoa. Sapecava-se, com ar de desdém, a frase: – Era só o que faltava!... Não sei se, por ser sido tão corriqueira até algum tempo, se já se está em desuso. Mas não a tenho ouvido. Os nossos condestáveis da atual República do Temer devem estar murmurando aos quatro cantos o seu inconformismo com a indiscrição do boquirroto Sérgio Machado, e, quando convocados para explicarem as razões dessa epidemiologia do medo, deveriam fazer uso dessa famigerada frase, que já tirou muita gente do aperto, como também se deu o mesmo com a não menos famosa expressão: Sabes com quem estás falando?, vituperada pelo sujeito para demonstrar a sua força incensurável de fazer e continuar fazendo malfeitos. Dizem que os tempos são outros. Deve ser isso mesmo. Dúvidas não tenho. São os tempos de Moro, Gilmar Mendes, Temer e sua velhíssima república, de Aécio, que tem muita coisa clara e muitas escondidas, ao mesmo tempo, de Renan, de Jucá, o ministro que tanto planejou o golpe que terminou na condição de ex-ministro, e de Cunha, o boi de piranha. Ora, paremos por aqui, porque a lista para compor o enredo dantesco da República do Temer é imensa, todos integrando como personagens principais as delações premiadas, como prêmio pela participação ostensiva no recebimento de propinas. Enfim, é necessário negociar a transição com eles, como afirma o condestável Renan. Mas eles, quem cara-pálida? Nas entrelinhas, cá entre nós, dizem os jornais que é o pessoal do STF.
Calo-me, perplexo. Apenas registro os fatos, segundo a leitura das conversas privadas publicadas dos nossos condestáveis da República do Temer. Que República! Valho-me dessa antiga exclamação. E no meio dessa conversa toda, bem espinhosa e comprometida, mais um se foi. Era que só o que faltava. Não. Com certeza não era só o que faltava. Deve haver outros faltantes que logo, como estamos no mês das festas juninas, tomarão o caminho da roça. Serão saltados do navio antes que afunde.
Renan, um dos integrantes-mor da lista das delações premiadas, no comprometedor e promissor diálogo com o notório Sérgio Machado, ao referir-se ao STF (para os menos informados: quando falo de STF, quero me referir, ou eles querem se referir, ao Supremo Tribunal Federal), trava essa conversa inusitada: Renan: – E, em segundo lugar, negocia a transição com eles. Machado: – Com eles, eles têm que estar juntos. E eles não negociam com ela (“com ela” querem dizer Dilma). Renan: – Não negociam porque todos estão putos com ela. Ela me disse e é verdade mesmo, nessa crise toda – estavam dizendo que ela estava abatida, ela não estava abatida, ela não está abatida, ela tem uma bravura pessoal que é uma coisa inacreditável, ela está gripada, muito gripada – aí ela disse: ‘Renan, eu recebi aqui o Lewandowski, querendo conversar um pouco sobre uma saída para o Brasil, sobre as dificuldades, sobre a necessidade de conter o Supremo como guardião da Constituição. O Lewandowski só veio falar de aumento, isso é uma coisa inacreditável’. Sobre o PSDB, o tom é o mesmo: Machado: – Está todo mundo sentindo um aperto nos ombros. Renan: – E tudo com medo. Machado: – Renan, não sobra ninguém, Renan! Renan: – Aécio está com medo. (Me procurou:) “Renan, queria que você visse para mim esse negócio do Delcídio, se tem mais alguma coisa.” Machado: – Renan, eu fui do PSDB dez anos. Renan. Não sobra ninguém, Renan.
Era só o que faltava essa história de Renan sobre o medo de Aécio, ou do “não sobra ninguém”, referindo-se ao magnânimo partido dos tucanos. E eu, na minha santa ignorância, que pensava que toda essa confusão de propina era só com o pessoal do governo, especificamente envolvendo a galera do PT, não quis acreditar no que disse Renan. Mas pensei: ora bolas, Renan não estava numa delação premiada, tipo de prova muito usada pela Inquisição, ainda assim, sem estar sofrendo nenhuma tortura psicológica e no exercício da sua liberdade de conversar com o seu amigo Machado, fez todas essas afirmações, há algum fundo de verdade, ou quase muito perto disso. Cabe às nossas autoridades da República do Temer investigar para chegar ou não a essa grave conclusão renantista de que “não sobra ninguém”. Convenhamos: de alto conteúdo explosivo e comprometedor.
Não voltarei mais a esse assunto. Embora recente, diga-se, recentíssimo, já está ficando chato. Chatíssimo. Tanto que a nossa mídia tem sido muito precavida com a sua divulgação, que tem tido um caráter seletivo. Evidente. Há uma certa compreensão a esse respeito: não tem aparecido o pessoal do PT e ou do ancien régime. Mas, ao contrário, só dá a turma da República do Temer. Ainda bem que os novos tempos, apontados pelo novo ministro da justiça, é de que os poderes do Ministério Público podem, porém não podem tanto. Como não tenha nada a dizer sobre isso, repito a frase inicial: Era só o que faltava!...
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