Cara amiga Nicole:
Aureliano Neto*
Escrevo-te ansioso por notícias. O Natal se aproxima com uma celeridade espantosa. Ainda outro dia, nada havia no ar que o anunciasse. Nem uma leve música como o hino natalino Anoiteceu, de Assis Valente. Pois é: - Anoiteceu / O sino gemeu / A gente ficou / Feliz a rezar / Papai Noel... As ruas não tinham um mísero enfeite, desses que nos chamam atenção a nos convidar para ir à loja mais próxima, ali pelas imediações da Praça de Fátima. Em casa, nada. Olha, ia esquecendo, estou te escrevendo bem ao lado do rio Tocantins, que passa intrépido, levando em suas águas canoas, alguns grandes ou médios barcos e uma dúzia de afoitos pescadores. Não sei onde tu vais passar o Natal; eu vou passar por aqui mesmo, fazendo a ceia da meia-noite com alguns peixes do nosso Tocantins. Nic, vou chamá-la por esse diminutivo carinhoso, o Tocantins continua a nos dar uma variedade de gostosos peixes. Ah!, a flutuante do Athaíde já não existe mais. Há muito nos deixou. Tudo infelizmente acaba, até mesmo, por incrível que possa ser, a vida. Na flutuante, eram servidas peixadas encantadoras. E o caldo de peixe era daqui! Todo mundo gostava. Tu te lembras daquelas manhãs ensolaradas, ou chuvosas. O tempo não tirava o prazer da boa peixada. Aquela caldeirada apetitosa, como diziam os mais entusiastas, era de lascar. E eu, contrariando-os, afirmava que era de levantar qualquer cristão de todo o torpor da boêmia. Nic, por onde anda o bom Athaíde. Tens notícia dele? Se souberes, avisa-me.
Quase ia esquecendo. Coisa do tempo ou da idade. Tudo passa, viu, Nic. O cérebro nos prega cada peça. Por mais que se queira, já não somos mais os mesmos. Infelizmente é assim. Afinal, estamos vivendo, com os atropelos do esquecimento. O que ia esquecendo? Ah, sim, a ponte, em que pese toda a celeuma, não desfigurou o Tocantins. Ele continua soberbo, majestoso, agressivo, tanto que, quando a chuva chega, cresce; as suas águas avançam, fazem os nossos ribeirinhos, como numa rotina, sair às pressas de suas casas. Entra em cena a defesa civil. Parece até os nossos intrépidos homens do fogo, que - é preciso que se diga -, são do fogo e da água, ou para qualquer situação de perigo. Como me encantam esses nossos heróis do fogo e da água. Estão sempre presentes nos momentos mais difíceis. Talvez por isso, Nic, tive um passageiro sonho de garoto (olha, minha querida, não era pesadelo, não; era sonho mesmo), de ser bombeiro. Não um simples bombeiro, não. Mas desses que aparecem nos filmes de catástrofe: apagam o fogo com exuberante coragem e salvam os náufragos das enchentes. Ah!, esses meus heróis infantis. Continuam no meu inconsciente. Não consigo expurgá-los, Nic.
Nic, lembra-te do beija-flor. Se tu não te lembras, estás pior do que eu. Procura logo, eu te aconselho, um neuro não sei de quê. É bem capaz de ele ter que te passar um remédio para fortalecer a massa cefálica. Às vezes, a dita precisa de uma ajudinha. É, eu, por exemplo, padeço de algum esquecimento, porém ainda não estou a carecer de medicamento para recompor as forças do cérebro, embora, por esses dias, tenha esquecido o aniversário de casamento. Uma catástrofe cerebral sem explicação. Olha..., o beija-flor - não sei se é ela ou ele - continua esvoaçando no mesmo ritmo. Vai e volta. Dá aquela paradinha equilibrando-se no ar, como se estivesse a se segurar num fio invisível. As asinhas batendo freneticamente, num compasso de corredor olímpico de cem metros, mas com uma leveza poética. Veja bem, Nic, estou encantado, ou encantando-me muito rapidamente, Já usei e abusei da expressão encanto. É o tempo, Nic, a gente fica romântico.
E o Natal bem aí. Que coisa, hem, é logo depois de amanhã. O bom de tudo isso não é bem o dia de Natal. Esse é sempre apoteótico. Já foram muitos natais. Todo mundo sentado, ouvindo música, conversando, bebendo, comendo, rindo, enfim, esbornando-se no fausto. Convenhamos: nem todos. O bom mesmo, Nic, não sei se tu concordas comigo, são os dias que antecedem o Natal. Na missa do encerramento da novena, o padre manifestou, e com razão, o seu descontentamento. Só se pensa em shopping, dizia ele, e acrescentava mais: lojas e presentes. O nascimento do Filho, que veio para nos libertar dos pecados, vai ficando para depois. Nic, precisamos repensar o Natal. Concordas? E olharmos para Aquele que está a nos ver nas nossas estrepulias de compras lá da majedoura. Lá está Ele, sendo amorosamente observado pela Mãe, que o concebeu, ainda virgem, e o pai, José, o justo, que teve a coragem e missão profética de receber em casamento a noiva grávida, concebida pelo Espírito Santo. E Ela, na sua entrega de submissão ao Pai, disse: - Aconteça-me segunda as suas palavras. Que humildade! E tudo aconteceu: o amor, a justiça, a paz, a fraternidade, apesar de sempre aparecer um louco que contraria tudo isso. São as nossas estrepulias anteriores à comemoração do nascimento, que teimam em nos assombrar.
Nic, caríssima amiga, não fiques triste. Não te quero ver assim. Alegra-te; sejas tu mesmas. Enfim, a primavera nos deixou no sábado para que pudéssemos viver o Natal numa outra estação. Talvez a chuva, quem sabe. Dizem que em nossa terra se vive o verão e o inverno. O importante, Nic, é pensar como o Braga, o Rubem das saborosas crônicas, a nos dizer que, no meio de tudo isso, há o amor. - "Ele é como a lua, resiste a todos os sonetos e abençoa a todos os pântanos". Por isso, Nic, é Natal. A felicidade nos convida a sermos felizes. Resistamos a tudo. Sejamos felizes, porque então é Natal!
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