Fui sempre um apreciador do ludopédio, palavra esta que sofre da vaidade de ser sofisticada, com jeitinho esnobe, usada avilsareiramente pelos dicionaristas, e que o vulgo, como nós outros, tem dela nenhuma ideia do que seja. Mas, estamos em pleno momento de euforia da prática do ludopédio. Bem, se não quiserem ludopédio, vale balípodo, ou mesmo o tradicionalíssimo futebol. O Brasil, denominado por muitos entendidos por pátria de chuteiras, clichê recorrente e adequado pela circunstância ora vivenciada por todos nós, está com 200 milhões de torcedores na Rússia, que já congregara a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ou simplesmente URSS, criada em 1922 pelo líder da Revolução Bolchevique, Lênin. Dissolução que se deu em 26 de dezembro de 1991, com a instalação da Comunidade dos Estados Independentes - CEI. Seguindo os postulados marxistas, em contraponto ao capitalismo, pregava a ideologia socialista, que culminaria numa igualdade de classe, originada de um processo revolucionário que socializaria as relações sócio-econômicas, com a abolição da propriedade privada. Na Segunda Grande Guerra, a União Soviética, como era então denominada, resistiu ao cerco alemão, coadjuvada por seu rigoroso inverno, vindo as suas tropas a serem as primeiras a entrar em Berlim, constituindo-se em fator decisivo para a derrocada de Hitler. No fim da guerra, o mundo, mesmo com a queda do muro de Berlim, se dividiu entre capitalistas e socialistas, marcado sobretudo pelo pêndulo da Guerra Fria. Não tenho informações, precisas ou imprecisas, se Marx, o pai do socialismo, ou Adam Smith, o grande teórico do liberalismo econômico, jogaram bola, ainda que trajando bermudões, como era costume dos ingleses irem a campo nesse traje circunspecto. Só sei que os ingleses, historicamente, sisudos ou não, são considerados os inventores do futebol, e os russos dedicados aprendizes, já que estão atropelando os seus adversários, isso sem recorrer ao futebol científico, ao praticarem o esporte cerebral, como diziam.
Mas, não era bem disso que queria falar. Gostaria de revisitar a minha copa inesquecível. Aliás, ressalto, não foi só uma. Foram três. Mesmo porque a história não é feita de uma só vez. É construída por etapas. E também não sucumbe pelo tempo. Ao contrário, essas três copas continuam enterradas no meu subconsciente, não só pelas conquistas, mas pelo que representaram como momento de vida.
A de 1958. Não tinha sequer ideia do que era copa do mundo. Não completara onze anos de idade. Os jogos eram transmitidos pelo rádio. Os jornais pouco falavam. Ou não davam tanta relevância. As rádios, sim, nos programas esportivos, ouvidos pelos que gostavam de futebol, divulgavam o evento. Sabia-se apenas o necessário, para ficar medianamente informado, até porque a copa de 1950 tinha sido realizada no Brasil, e a seleção brasileira perdera a final para os uruguaios. 58 foi o ano das grandes vitórias brasileiras. No futebol, com a conquista da copa do mundo; no tênis, com Maria Ester Bueno; recentemente falecida, e, no boxe, com o galo de ouro, Éder Jofre. O Brasil entrava no grupo dos países em processo de industrialização. A copa de 1958 fora acompanhada pelo rádio, nas vozes dos grandes narradores da época. Lembro, mas lembro com absoluta nitidez, no jogo final, entre Brasil e Suécia, dos dois gols de Vavá, que se originaram de passes de Garrincha. Eu estava na rua fazendo uma caminhada para comprar cerveja para os ouvintes que se encontravam, como se dizia, ao pé do rádio, na escuta da partida. A nossa seleção perdia de um a zero. Quando subia a rua ladeirosa da Belira, ainda sem asfalto, Vavá, o Leão da Copa, fez o primeiro gol, que chegou ao meu conhecimento, porque houve uma euforia contida dos torcedores, quase semelhante à postura recatada inglesa. Ao descer a rua, carregando as cervejas de casco escuro, Vavá fez o segundo gol, também comemorado no mesmo estilo contido. Brasil: campeão. Ganhou de 5 a 2. Continuamos, no dia seguinte, a viver os nossos dramas, porém ostentando o galardão de campeão do mundo. Pelé e Garrincha passaram para a história e continuaram encantando os nossos sonhos de eternos vencedores.
As duas outras copas foram a de 1962 e de 1970. Em 1962, era linotipista no SIOGE (Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado). Vem-me à lembrança o jogo contra a Espanha. Pelé, seriamente lesionado, não podia mais jogar pela seleção. Perdíamos de 1 a 0. Estávamos na iminência da desclassificação. Garrincha, considerado o melhor jogador da copa de 62, e Amarildo fizeram a festa. Viramos o jogo e ganhamos de 2 a 1. A Espanha, de Di Stefano, foi para casa. O que quero dizer é que, à época, não havia folga para o trabalhador acompanhar os jogos do Brasil. Ainda não se tinha a transmissão pela TV. Lembro que, ao mesmo tempo em que compunha na linotipo as matérias para o Diário Oficial, acompanhava os lances pelo rádio, e assim ia tomando conhecimento das diabruras de Garrincha, o grande nome de todas as partidas. Anos depois, Didi, considerado o melhor jogador da copa de 58 e apelidado por Nelson Rodrigues de Príncipe Etíope, declarou que, com a contusão de Pelé, em 62, pegava a bola no meio campo e lançava para Mané, que, com os seus dribles infernais, rompia a defesa adversária.
Na copa de 1970, estava no Rio de Janeiro. Distante da família. E lutava para quebrar os grilhões da cidade grande, mas saudoso do Maranhão. As partidas já eram transmitidas pela televisão. Vi todos os jogos numa TV em preto e branco da acolhedora casa do meu inesquecível amigo "seu" Eduardo Diniz. O grande momento foi a vitória do Brasil sobre a Inglaterra. Quando a nossa seleção suplantou os bretões, não tive dúvida: o tri era nosso. Foi na copa de 70 que tive a certeza de que o futebol é a alma do nosso povo, e mais outra certeza: não foi inventado pelos ingleses, mas por Pelé e Garrincha.
* Membro da ABL e AIL
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