A luz amarela está piscando incessante e perigosamente. A democracia se encontra em perigo(?!?!). Dúvida, que teima em nos atormentar. Muito se tem escrito, falado e debatido sobre a morte da democracia. Os acontecimentos, os mais insignificantes acontecimentos, têm mostrado a gravidade do momento por que passa o mundo com a insurgência de movimentos autoritários, com ressurgimento de idéias fascistas, amplamente defendidas como solução mágica para os problemas que fazem parte do cotidiano de toda sociedade. Textos e livros têm sido publicados, denunciando o perigo destrutivo que ronda esse regime de governo, que se alicerça na vontade do povo. Churchill considerava a democracia a pior forma de governo, com exceção de todos os demais.

É bom sempre referir-se ao art. 1.° da Constituição da República brasileira, que fixa, introdutoriamente, o que é a nossa forma de governo e os seus fundamentos. Dispõe a nossa Carta Política: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito.” Nos incisos seguintes, estabelece os elementos principiológicos dos fundamentos, entre os quais o pluralismo político, que consiste na diversidade do pensamento ideológico, quer seja de centro, de direita ou esquerda, sendo essa pluralidade uma das essências do processo de convivência democrática. Ou seja: esta diversidade é a natureza espiritual de regime democrático. Sem ela, a democracia se esvazia do debate das ideias que lhes dá vida.

O parágrafo único do citado art. 1.° ainda acrescenta, ao enfatizar a concepção da sua fonte: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Assim, como consequência, sem qualquer ressalva, a nossa Lei Maior determina que o Estado Brasileiro de Direito tem, na Democracia, a sua sustentação de poder, por força normativa desta concepção: todo o poder emana do povo, a ser por ele exercido de forma direta ou indireta.

Pois bem. O art. 85 dessa mesmíssima Constituição Federal – reitero: nossa Lei Maior – esclarece, tipificando os crimes de responsabilidade do Presidente da República, ao ressaltar que são aqueles que atentam contra a Constituição Federal, em decorrência de atos praticados contra a existência da União e do livre exercício dos demais poderes, com destaque ao Legislativo e ao Poder Judiciário. Na sequência, a Constituição fixa o procedimento a ser instaurado contra o Chefe do Executivo da República, em razão dos seus atos e omissões, que atentem contra a Constituição.

O fato é que a Democracia é um das instituições fundantes do nosso Estado de Direito, cujos poderes da União, independentes e harmônicos, são constituídos pelo Legislativo, pelo Executivo e pelo Judiciário, que não podem sofrer ameaça, pelo seu livre exercício, em face de ato ou omissão de parte de quem esteja no exercício da Presidência da República. A Constituição, a esse respeito, não deixa nenhuma dúvida.

No dia 15 deste mês de março, foi mostrado pelos meios de comunicação um movimento popular, que pregava acintosamente a intervenção militar (a ditadura castrense), a reedição do malfadado AI-5, este objeto de outras manifestações autoritárias de pessoas (filho, inclusive) ligadas ao governo, o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de um movimento antidemocrático, que contraria a Constituição Brasileira na sua essência principiológica e determinativa, bem como a Democracia, definida pela Carta da República como todo o poder que emana do povo, exercido por representantes deste, ou diretamente, como ocorre em caso de referendo ou plebiscito.

Em situações dessa natureza, caracterizada pela índole golpista, a Democracia e os poderes que dela fazem parte devem ser defendidos com veemência, a exigir uma resposta institucional. As liberdades constitucionais (como a de livre manifestação do pensamento) não podem ser criminosamente usadas para pôr fim ao regime democrático e atentar contra o Estado de Direito. Essa conduta afronta a Constituição Federal, ainda mais quando o Presidente da República que, perante o Congresso Nacional, jurou defendê-la, se faz presente ao ato delituoso para dar a ele consistência moral ou imoral, e, ao invés de repudiar a vileza do desrespeito à Constituição, dar respaldo à vilania praticada.

Sobre essa questão merecem destaques dois textos publicados na Folha de São. Um do jurista Oscar Vilhena Vieira (Democracia militante, edição de 4/3/2020, p. B8), e outro de Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Felipe Santa Cruz, José Carlos Dias e Paulo Jerônimo de Souza (Em defesa da democracia, 15/3/2020, A3), respectivamente, Arcebispo de Belo Horizonte e Presidente da CNBB,  Presidente da OAB, Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Presidente da Associação Brasileira de Imprensa. Nesses textos, há uma clara preocupação com o clima de intolerância e de afronta à Democracia, concitando os autores que seja respeitado o Estado democrático de direito.

* Membro da AML e AIL.