Aureliano Neto*

Confraria é o governo de amigos, dizem os entendidos em trivialidades. Ou, ainda, a afinidade de ideias ou de ideais pode girar em torno de uma confraria. Um tango, daqueles bem antigos, fala em confraria do vermute e da cachaça. Os milongueiros gostam desses pesares. Beber, dançar e amar, no fundo, ao som de Gardel, na dolência dos apaixonados incompreendidos. Há um pessoal que se reúne no carnaval, com o sugestivo nome de confraria do copo. Mas o copo tem pouco a ver com isso, não é o fundamental, apenas justifica o encontro. A bem da verdade, o essencial não é o copo, e sim do que dele pode ser extraído. A confraria é mais etílica. Quando no Sioge (para quem não sabe: Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado), estávamos sempre em confraria, ou do vermute, ou da cachaça. Lobão, linotipista, gostava de cantar. Tínhamos, na confraria dos gráficos, vários cantantes. Virgílio, metido a seresteiro. Dizem que não se afinava com a orquestra, ou, à época, com o regional. Estava mais para cantor de banheiro. Lembrei-me de Para Roma com Amor. Mas, Ferdinando era o nosso Orlando Dias em voz. Facialmente, um pouco parecido com o cantor dos grandes boleros. Lobão foi pra Rádio Ribamar. Programa de calouro. Resolveu cantar Iraci, sucesso de Calos Gonzaga. O regional atento. Lobão, serelepe cantando, não chega nunca no final. Fatalidade cruel: esqueceu como terminar. Ia e vinha como disco furado. Pelo meio, o regional parou a música. Na confraria, onde todos se reuniam, o comentário era geral. Os amigos solidários com o intérprete esquecido.
Nas eleições, a gente termina por eleger um pessoal da confraria. Os eleitos participam de um clube fechado de amigos, nem sempre com ideias. Na maior parte das vezes, ter ideias até atrapalha, ainda assim tão lá todos unidos. O mais importante é não ter ideias. O fundamental são os interesses. A coisa funciona mais ou menos assim: eu te elejo, e nós vamos acertando os nossos passos. Enfim, sem ideias, mas com interesses. A confraria dos interesses. Como Lobão, a música é cantada, e o regional é que diz quando é chegado o fim. A confraria dos amigos e dos interesses agradece.
Confraria é algo ameno. Os amigos sem ideias e com interesses gravitam em torno de si mesmos. Não vão a lugar nenhum. É irrelevante ir ou voltar.
Porém o que tem me chamado atenção não é confraria, é a oligarquia. Mais radical. Em tempos eleitorais, fala-se muito e demasiadamente nela. Os dicionários de política dizem que é o poder de uma pequena minoria de pessoas (oligos), que pretendem ser muitas vezes as melhores e que, na verdade, são as mais poderosas. Na verdade, uma forma de governo em que o poder se concentra num pequeno número de pessoas, que se distinguem pela nobreza, pela riqueza, pelos laços familiares, ou, ainda, pela amizade. A coisa é mais ou menos nesse rumo.
No Brasil, há feudos de oligarquia. Existem as oligarquias que dão certo e outras, infelizmente para as castas que as compõem, que não dão certo. No Maranhão, fala-se na oligarquia Sarney, cujo discurso tem elegido e reelegido muita gente. Dutra está tentando construir a sua oligarquia privada. A sua digníssima e amada mulher está tentando eleger-se prefeita em Paço do Lumiar. Tudo bem aqui perto. É bom início oligárquico. Se tiver êxito nessa empreitada, pode ser que os amigos e os aderentes passem a integrar a sua neooligarquia. O ruim para o nosso combativo deputado é ter que mudar o discurso de veemente luta contra a oligarquia, que tanto o ajuda a abiscoitar votos, de eleição em eleição.
Lá no Rio de Janeiro, César Maia, que, se não me engano - nada consultei a esse respeito -, se elegeu prefeito por duas vezes, e o filho, deputado, agora está tentando eleger-se prefeito. Se tiver êxito no seu intento, é mais que um bom começo para construção de uma oligarquia em plena Cidade Maravilhosa, sob os braços estendidos do Cristo Redentor. Se concebermos um sentido semântico mais flexível à oligarquia, como forma de expressão de poder, as igrejas, em nome de um deus meio penso, que pende mais para um lado do que outro, estão construindo suas oligarquias confessionais, ora elegendo um vereadorzinho aqui, ora um deputado ali, ou um senador mais adiante, e assim vão formando as suas oligarquias da fé.
São muitas as oligarquias setorizadas. Quando não é o marido, é a mulher do prefeito que é candidata, ou o filho ou filha ou, ainda, um compadre, ou, na pior das hipóteses, o amigo de confiança. Às vezes, o amigo de confiança, lá da cozinha da casa, depois de se refestelar no banquete da oligarquia, de uma hora pra outra, deserta. Vai cantar em outra freguesia. Melhor falando: vai compor outra oligarquia, que ninguém é de ferro. E aí o discurso muda. Pior tudo: as oligarquias vão se proliferando, mais do que filho em casa de pobre quando não havia anticoncepcional e o marido ainda mantinha oficina na sala da casa, nos tempos que televisão era artigo de luxo.
Há o moderno oligarca. E há ainda o antiqüíssimo oligarca. Parece uma praga. Como dizia Gonzagão, é de pai pra filho. O pai é deputado, o filho é candidato a alguma coisa, por exemplo, a prefeito. Ou o pai é prefeito, a filha é deputada. Se formos à baixada, a história é a mesma; no sertão, nada muda; enfim, repetindo, Gonzagão é de pai pra filho e de filho pra pai. O roto fala do esfarrapado. Conheci um prefeito, jovem líder promissor, que tentou iniciar uma oligarquia familiar, elegendo a mulher, mas não teve muito sucesso. Como se diz no jargão popular: o tiro saiu pela culatra. Então, há oligarquia para todo gosto. Se quisermos nos livrar delas, temos que ficar de olho no padre, ou melhor, a moda é outra, de olho no pastor e de olho no culto, já que Deus é Pai de todos nós. Amém, ou, como quiserem, aleluia!
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