Aureliano Neto*
Não tenho a mínima preocupação com eleição. Leio, de relance, alguma coisa a respeito, porque as notícias estão nos jornais. Se me perguntarem quais os candidatos, não sei responder. E pouco me interessa saber. Estou em déficit com o exercício da cidadania. Conduta que considero grave. E olha que fui daqueles que foi pra praça e ruas lutar pelas diretas já. Lembro-me do "Sr. das Diretas", bradando discursos em defesa do voto como representação autêntica do sentimento republicano brasileiro. O comício de 25 de janeiro de 1984, em São Paulo, boicotado pela rede Globo (jornal e TV), reuniu mais de trezentas mil pessoas, na praça da Sé. Franco Montoro, no discurso do encerramento, exortava aos presentes: "Perguntaram se aqui há 300 ou 400 mil pessoas. Mas a resposta é outra: aqui na praça estão presentes as esperanças de 130 milhões de brasileiros." Com esse movimento cívico revolucionário, iniciou-se em todo o país a luta pela proclamação da Nova República, que resultou na quebra do espúrio colégio eleitoral e na eleição de Tancredo Neves, em benefício - é lamentável! - dos oportunistas de sempre, que, aproveitando-se do enfraquecimento do regime militar, já no estertor, mudaram de lado e posaram de democratas, usufruindo de todas as benesses políticas e econômicas até os dias de hoje. Basta que os menos informados leiam a história, que é bem recente, podendo ser encontrada em qualquer panfleto de banca de jornal. Engana-se quem quiser.
Dizem os historiadores que, até as vésperas de 15 de novembro de 1889, Deodoro da Fonseca, considerado fundador da República, não era republicano. Segundo Laurentino Gomes, no livro 1889, em reprimenda a um sobrinho, aluno da Escola Militar de Porto Alegre, assim se manifestou: "República no Brasil é coisa impossível, porque será uma verdadeira desgraça. - Os brasileiros estão e estarão mal educados para republicanos. O único sustentáculo do nosso Brasil é a Monarquia; se mal com ela, pior sem ela." De lá para cá nada mudou. Continuamos a ter Deodoros da Fonseca. Somos (mas não eu) adeptos do complexo de vira-lata. Nesse ponto, Nelson Rodrigues, aqui sempre lembrado, continua absolutamente certo. Tudo no Brasil não presta. Por exemplo, as Olimpíadas seriam um desastre. Meras infiltrações em acomodações de atletas passaram a figurar nas manchetes como manifestação de um desastre anunciado. O placar de 7 x 1 é lembrado como uma idolatria do fracasso. Esquecem, e fazem questão de esquecer, os cinco campeonatos mundiais, conquistados pelo Brasil em vários países que visitados mensalmente por nossos detratores. E graças essa sofrida derrota para os alemães, esqueceram a decantada derrota de 2 x 1 no Maracanã, para os uruguaios, que recebeu o neologismo de maracanaço. Enfim, qualquer idiotice de estrangeiro é adorada por muito de nós (não por mim), num gesto de genuflexão doentia.
Se não fosse Machado de Assis, Guimarães Rosa e, agora, mais recentemente - crédito ao Benjamin Moser - Clarice Lispector, a literatura brasileira não teria nenhum valor. Estaríamos sempre a ler os escritores russos, portugueses (Saramago e etc.), espanhóis, italianos e outros mais. Ainda bem que temos Machado, Rosa e Clarice. De outro modo, a literatura brasileira estaria vivendo o drama dos 2 x 1, que agora é passado, e dos 7 x 1, o mais recente complexo, que não quer ser esquecido.
Volto ao Deodoro, o antirrepublicano, que, de um dia para o outro, se transformou em republicano. Proclamada a República, passou a ser o chefe do governo provisório de uma república que ele abominava. A história brasileira, como farsa, se repete, como ocorreu com a Nova República, após as diretas. Muitos foram pra rua na luta pela plena cidadania; outros se beneficiaram, embora tenham de forma direta ou nos bastidores, combatido o exercício amplo e irrestrito da democracia. Estavam com a ditadura.
O Brasil tem a sua história construída com sucessivos golpes. Os mais espertos, no frigir dos ovos, os oportunistas de sempre, locupletam-se indevidamente das vantagens. Historicamente, o primeiro golpe que se tem notícia foi o da maioridade, que fez com que D. Pedro II assumisse, em 1840, o trono aos 14 anos de idade. Com a sua assunção ao trono, começou o mais longo governo que o Brasil já conheceu. Foi um reinado de quase meio século, ainda com forte influência das elites: os latifundiários, os traficantes de escravos (apesar da Lei Eusébio de Queiroz, que proibia o tráfico, denominada sarcasticamente de "lei para inglês ver") e os portugueses, embora se tentasse branquear o Brasil fomentando a imigração europeia.
O golpe mais é o impeachment, em consumação, haja vista os Auros de Moura Andrade que, em sua maioria, empestam o Senado da República. O golpe seguinte, comandado pelo presidente da Câmara, com o aval de Michel Temer, é absolvição do deputado Eduardo Cunha, cuja votação de cassação do seu mandato foi marcada para o dia 12 de setembro, uma segunda-feira, em período eleitoral, com exígua presença de deputados. Então, aí se terá uma votação "para inglês ver". Sem complexo de vira-lata, essa é a nossa república, que, no dizer do constitucionalista Marcelo Neves "gângsteres criminosos comprovados" pedem a destituição de uma pessoa (a presidenta) até aqui honesta. E caminhamos para mais uma farsa.
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