Aureliano Neto*
Gostaria tanto que fosse econômico. Aliás, digo mais: que todos nós fôssemos econômicos. Não o econômico da mesquinharia, daqueles de ter e não viver. Mas da economia para usufruir das coisas da vida. Não sei isso é possível nesse mundo em que vivemos, denominado pelos estudiosos de pós-modernidade. A ordem e a desordem é consumir. Precisamos, antes de dançarmos o último tango argentino, viver com intensidade os sabores que vida nos concede. Nem tudo está perdido, já afirmava um filósofo amigo meu do alto da sua sapiência cultivada na tradição do viver. Era um sábio. Desses tantos que andam por aí, e as pessoas preconceituosamente evitam até mesmo apertar-lhe as mãos, sob a cruel justificativa de que não passam de um pobre-coitado. Cuidado, como redarguia um outro sábio meu conhecido: a recíproca pode ser mais que verdadeira. É pena que teve que sair de cena e se despediu com um sorriso maroto e desconfiado, embora, devo dizer, o foi sem muita vontade. Conversávamos muito, e aqui e ali, dando ênfase ao movimento incessante das sobrancelhas, embranquecidas pela delonga da vida, demonstrava a sua desilusão com essa geleia geral, porém não deixava de ser otimista e, ao mesmo tempo, de forma grave, referia-se ao caos, como se estivéssemos numa Babel em que o desencontro não estava apenas com a incompreensão da linguagem. Paradoxalmente, ele costumava afirmar: há um desencontro entre nós todos, mas, insistia, combatendo esse pessimismo, há alguns pingos de solidariedade. E acentuava com a veemência do puro (ainda existem os puros nesse mundo de conflito!): – O mundo preciso de samaritanos, para que o ato de viver seja contaminado, possuído de uma virose incurável, pela solidariedade. E, na sua utopia avalizada na parábola de Cristo, já no estertor da sua viagem, balbuciava: – O amor! O amor! O amor! Muitos em volta não entendiam. E diziam, como a justificar a repetição da frase: – É o delírio da obsessão. É certo: deliramos pelo amor. Somos patologicamente obsessivos. Ainda bem!
Por dessas circunstâncias, trilhando em um táxi pelas nossas movimentadas ruas, conversava com o motorista. Minto, a memória às vezes trai. Se bem me lembro, não foi assim. Desci no aeroporto, procedente de São Luís, e contratei os serviços de um taxista, para levar a mim e a Jacirema a Carolina. Como sempre, e é impossível não ser de outro modo, essas viagens, com a finalidade do descanso das férias, se constituem numa espécie de minimudança. Carrega-se uma infinidade de malas, sacolas e tantos outros eteceteras, rotulados popularmente de bagagem. Nada é perfeito. Que se há de fazer! O bom seria que viajássemos apenas com o indispensável à mão e algum outro apetrecho. Mas, meu caríssimo amigo, vá sugerir isso para a mulher. A reposta é um grande e estridente não, entremeado de um sorriso daqueles que a gente não pode contrariar. Ao lado de todo esse prazer da viagem, eu sempre carrego comigo os livros de leitura obrigatória, que incluem os que estou lendo e os que ainda vou ler. Pois bem. Para matar o tempo, íamos conversando amenidades. E falávamos, eu e motorista, sobre a morte. Que coisa, hem?! Alguns, dizíamos, vivem mais, outros menos. Fomos por aí. O taxista fez, na sua concepção filosófica de vida, a relação entre o rico e pobre. E dizia: – Ninguém escapa. Todos morrem. Disse-lhe que, entre o pobre e o rico, este último deveria ter o encontro com a finitude mais alongada. No momento, lembrei-me de alguns desses ilustres ricos, que poderiam chegar aos, no mínimo, cento e cinquenta anos de idade, mas dançaram o último tango e foram antes. Fiz referência a Amador Aguiar, Antônio Ermírio de Moraes, Roberto Marinho, que sequer chegaram aos cem anos. O taxista me disse: – É, doutor, esse pessoal tem muita preocupação com as suas coisas. E concluiu: – É muito dinheiro. Isso ajuda a morrer mais cedo. Fique com inveja deles, não pela morte, mas pelo excesso de preocupação com o dinheiro. Com ou sem dinheiro, vivemos a eterna crise da mortalidade, centrada na inexorável brevidade da vida.
Não quero transformar este pedaço, prazeroso ou não, em retalhos de filosofia. Gosto de filósofos e do que eles dizem. Um deles, de nome meio que esquisito, tem chamado a atenção: Zygmunt Bauman. Tem mania de escrever sobre modernidade, pós-modernidade, dando um sentido líquido às suas reflexões: amor líquido, vida líquida, modernidade líquida e vai por aí a fora. Num dos livros – O Mal-Estar da Pós-Modernidade – Bauman, ao tratar da imortalidade (graças a Deus que não foi da mortalidade), na versão pós-moderna, afirma que “se a morte um dia fosse derrotada, não haveria mais sentido em todas as coisas que eles laboriosamente juntam, a fim injetar algum propósito em sua vida absurdamente breve”. O eles a que se refere são nós mesmos os seres humanos, vítimas de uma vida, como enfatizado pelo filósofo, absurdamente breve. Por sabermos mortais, buscamos a todo custo a imortalidade. Conheci um amigo – puxa vida, conheço tantos amigos, hem?! – que, em plena mocidade, na ânsia consumista de imortalizar-se, adquiriu a sua morada tumular. Recentemente fiquei muito feliz de encontrá-lo. E percebi que estava lépido e fagueiro. Tive o topete de perguntar-lhe pelo seu investimento tumular. Respondeu-me ,entre sorridente e fisionomia séria que a gravidade da resposta exigia, que a sua última morada se encontra no mesmo lugar, ele é que – e aí sapecou um retumbante “graças a Deus” – estava a gozar de invejável saúde. Mas, não deixou por menos, disse logo que com essa inescapável despesa não tinha mais com que se preocupar, por não deixar essa incômoda preocupação para algum mortal.
Certo é que algumas pessoas andam com a mania de gastar. O consumismo é a marca de nossos tempos. Outras, mais cuidadosas, estão procurando fazer economia. A vida, já se disse, é muito curta. Vive-se a fatalidade de uma vida absurdamente breve. Meu avô – e outros de seu tempo – costumava dizer que ninguém fica para semente. Mas me parece que as pessoas estão fazendo um complô contra o capitalismo. Não se trata de revolução bolchevique, ou a reiteração das ações de Fidel ou Guevara. Nada disso. Tudo parte do próprio mundo capitalista. Não é que tomei conhecimento que o governo holandês anunciou, sob protesto, e não sei se já não o fez, que vai fechar 19 prisões, com a finalidade de economizar 271 milhões de euros. No Brasil, ao contrário, estamos construindo prisões, e ainda, parece, dizem os insatisfeitos, que ainda há carência de novos presídios, pelo menos agasalhar a turma da improbidade administrativa.
Outra notícia que me causou espanto. Quero dizer: duvidosa perplexidade. Na Alemanha, por falta de fiéis, as igrejas estão sendo vendidas a preço de banana, porém não tem encontrado compradores. A coisa para os alemães está ficando, como dizia o eterno Ponte e Preta, mais para urubu do que para colibri. A infidelidade dos fiéis está alcançando todo tipo de igreja, da católica às protestantes. Um trechinho da notícia demonstra o quanto essa infidelidade está tirando o sono de muita gente, já que os fiéis preferem economizar na terra a não aguardar a recompensa no céu. Diz o texto da Folha de São Paulo: “Uma igreja evangélica na cidade de Hamburgo, vendida no final do ano passado por falta de comparecimento de fiéis, agora está nas mãos do Islã.” Na Espanha, entre 1990 a 2010, 340 templos evangélicos foram fechados por falta de seguidores. A igreja católica, que já viveu no passado das indulgências, hoje de uso e abuso corriqueiro das suas co-irmãs, também não escapou dessa evasão de infidelidade: quatrocentos templos foram fechados na Alemanha só no ano de 2011. Pelo que consta, vive-se no Brasil o paraíso do consumismo da salvação. Os nossos fiéis pagam para ter a segurança de uma vida eterna. Amém!
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