A grita é geral. Ensurdecedora mesmo. Os mais otimistas afirmam, do alto de suas certezas inabaláveis, que o Brasil amazônico está sendo literalmente desmatado e criminosamente incendiado. As fotos publicadas pelos jornais e obtidas por meio dos satélites mostram uma imagem de churrasqueira enraivecida. Labaredas e fumaças demonstram a força de destruição da floresta, que é considerada não o pulmão do mundo, mas a força reguladora do clima global, ao lado de outras grandes florestas tropicais. Preocupadas, as principais lideranças do mundo civilizado têm-se insurgido contra esse descalabro e, coadjuvadas pela voz da mídia, associam as queimadas à gestão desequilibrada do atual governo da nossa pátria amada.
Segundo a Folha de São Paulo, entre as grandes mídias internacionais, o jornal The New York Times “ressalta que o desmatamento da Amazônia aumentou rapidamente desde que Bolsonaro tomou posse e cortou subsídios para combater as atividades ilegais na floresta. A reportagem afirma que ‘o presidente de extrema-direita’ acusou ONGs de colocar fogo na floresta depois que o governo cortou financiamentos, apesar de não apresentar nenhuma evidência”.
Sabendo da importância desses fatos, não só para nossa pátria amada, como para as outras não tão amadas, uma vez que não vivemos isolados do mundo, procurei saber o que dizem os pesquisadores de outros países. Os da NASA, através da observação por via de satélites, afirmam que o fogo segue o desmatamento em grande extensão. Isso quer dizer que, na medida em que se processa a derrubada das árvores que formam a floresta amazônica, o fogo é tocado para fazer a “limpeza” do terreno, com específica finalidade de plantar capim. Daí a imensa possibilidade de destruição do nosso bioma, que abriga 10% de todas as espécies conhecidas no mundo, e 20% da fauna estão na Amazônia. Trata-se de uma grande e, se conservada, inesgotável riqueza de concentração de uma diversidade de flora e fauna. Não comporta a sua preservação meros debates fantasiosos, com tiradas hilariantes de irresponsabilidade. É uma questão de segurança nacional, pois implica a preservação de nossa biodiversidade.
Sem dúvida, há um rastro de destruição. A nossa geração não pode ficar quieta ou mesmo indecisa. A civilidade consciente tem que despertar do seu torpor, acordar e discutir, para encontrar rápida solução, sobre o seu próprio destino. É certo que, neste momento de delírio histórico, falhou-se mais uma vez. A escolha foi um retumbante fracasso. Façamos a genuflexão da humildade, sem revanchismo, e confessemos o equívoco, se não ao vizinho do lado, ao menos ao Criador da floresta amazônica. Acertos e erros são próprios da democracia. Mas, acima de tudo, uma verdade: qualquer governante, por menos inteligente que seja, tem que ter sérios compromissos com a sociedade, com a ética, e agir sob o signo da boa-fé, além de jamais deixar de admitir que tão somente representa quem o escolheu, não sendo um ditador dos interesses espúrios dos outros. E ainda: não deve e não pode se transformar, como se vivesse a ficção do médico e do monstro, no tirano do absolutismo de sua vontade.
O advogado e jurista Luís Francisco Carvalho Filho, em texto publicado na Folha de São Paulo, dia 24 de agosto de 2019, com o sugestivo título O dia do fogo, num dos trechos, relata que “fazendeiros do sudoeste do Pará celebraram em 10 de agosto o ‘dia do fogo’. O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) registrou centenas de focos de incêndio nas margens da rodovia BR-163. Os manifestantes, ‘amparados pelas palavras do presidente’, teriam organizado o movimento para mostrar que eles ‘querem trabalhar’ sem autuações e licenças. Segundo reportagens do jornal Folha do Progresso, editado na região, foram detectados focos em unidades de conservação estadual e federal, em terras indígenas, em floresta e em pastagens”. Acentua que, ante esse crime contra a humanidade, a reposta do poder público é pífia, quase inexistente, caracterizada por meros boletins de ocorrência, registrados no distrito policial. Tudo leva a crer que celebrar “o dia do fogo” possa vir a fazer parte do calendário nacional, embora, como diz o articulista, se trate de uma atitude de profunda repugnância, inerente a uma sociedade incivilizada e governada por alguém que tenha os mesmos predicados.
Por tudo isso, lembrei-me do célebre Nero, que se notabilizou pela sua crueldade e a quem o historiador Suetônio alcunhou de perverso incendiário, por ter sido acusado de ter tocado fogo em Roma, e ainda, dizem os seus opositores, ficou a apreciar o trepidar das chamas ao som de sua lira. Nero, para livrar-se da acusação, não pensou duas vezes, denunciou os cristãos como os autores do incêndio. O povo que via Nero com bons olhos, nele acreditou. Não titubeou o louco de Roma: fez dos cristãos tochas humanas. Como é sabido, a história sempre se repete ou como farsa ou como tragédia. Hoje, o bode-expiatório são as ONGs. Qualquer semelhança é mera coincidência. Há sempre quem acredite, como lá bem atrás ocorreu com Nero. Havendo dúvida, por favor, opte em defesa do acusado. Trata-se de uma regra milenar.
* Membro da AML e AIL.
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