Aureliano Neto*

Como faço sempre quando estou em São Paulo, normalmente em tratamento de saúde, fui à banca e adquiri alguns jornais, os considerados mais elitizados e aqueles bem populares, que dão ao crime destaque de primeira página, com a evidente finalidade de vender o produto, isto é, essa informação trivial, que é do agrado de todos e que faz com que nos acostumemos com a rotina da criminalidade. Faço as minhas costumeiras abluções matinais, tomo o meu café, preparado com a dedicação e o requinte de Jacirema, que não deixa de atender ao pedido de Bernadete de fazer o cuscuz de milho. Já eu sou adepto de uma broinha, com um leve toque de manteiga. No sonzinho da exígua sala do aconchegante apartamento, ponho Tony Bennett, ou Louis Armstrong, ou ainda Anita O'Day, Dalva de Oliveira, Elizete Cardoso, sem deixar de lado a encantadora Elis Regina, com alguma pitada da voz rascante de Elza Soares, sambista que ao lado de Miltinho, imortalizou Se Acaso Você Chegasse e Cadeira Vazio, de Lupiscínio Rodrigues, em co-autoria com Felisberto Martins e Alcides Gonçalves. Ao som dessas saborosas canções, vou saboreando as notícias, nem boas, mas nem de todas más. Apenas notícias, a nos exigir reflexão. Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, ministros do julgamento do denominado mensalão, no STF, ilustram todas as primeiras páginas, parecendo até que Gisele Bündchen saiu da moda, já que, ainda recentemente, era presença obrigatória da página primeira à última de nossas folhas informativas.
Pois é, fugindo do famosíssimo JB (agora, conhecido por esta tradicional sigla, antes referida a uma marca de uísque) e de Lewandowski, ainda não siglado, porquanto não tão popular como o outro, por insistir em absolver acusados, deparei-me com uma notícia bombástica e publicada nas páginas internas dos jornais, sendo num deles com a seguinte manchete: "Cadastro de bom pagador é regulamentado". Ao ler esse destaque, como diz o nosso caboclo, esbarrei de chofre e fui ao texto. Tratava-se do Decreto 7.829, de 17 de outubro de 2012, que passa a regular a lei do cadastro positivo (Lei 12.414, de 9 de junho de 2011), instituída, como afirma o texto da notícia, com a promessa de facilitar a vida de bancos e lojas, que poderão avaliar melhor o cliente antes de conceder o crédito. Ou seja: dizem os entendidos, que, com a regulamentação da lei do cadastro positivo, haverá a redução do "spread" - diferença entre o que o banco paga na captação do dinheiro no mercado e o que cobra do cliente -, uma vez que as instituições beneficiadas por esse cadastro poderão avaliar a capacidade de pagamento do consumidor dos seus produtos ou serviços.
Bem. Fiquei sisudo com o destaque, visto que foi dada ampla cobertura nas mais diversas mídias, inclusive a que trata especificamente de matéria jurídica. Isso porque, além dos tradicionais cadastros de maus pagadores (SERASA, SPC etc.), que são instrumentos de controle do crédito ofertado no mercado, passa-se a ter vigência, em benefício dos fornecedores de produtos e serviços, do cadastro positivo, em que constarão detalhes de todas as transações financeiras efetuadas pelo consumidor, o qual poderá receber uma classificação de razoável a excelente cumpridor de suas obrigações, fazendo jus - embora não seja certeza certa - ao benefício da redução dos juros cobrados, com a redução do risco do negócio para quem oferta o crédito.
A respeito, classificou o presidente da CNDL, Roque Pellizzaro Junior, de "surpresa boa" a regulamentação do cadastro positivo, afirmando, convicto, que o funcionamento dos chamados "bureaux de crédito" ajudará na redução dos juros dos cartões e de outros financiamentos para os bons pagadores.
Não sei. Tenho minhas dúvidas com essas novidades, que protegem apenas um lado da relação de consumo, embora, no caso do cadastro positivo, a regulamentação exija que o consumidor dê autorização para ter o seu nome nessa espécie de banco de dados, podendo retirá-lo no momento que quiser. Parece-me que aí está a positividade desse cadastro, porque depende do consentimento do consumidor.
Nada obstante isso, tenho-me deparado no dia a dia com situações chocantes. Muitas vezes vexatórias, porque consistem, entre outras, na negativa de crédito por mera retaliação. Como ocorre? Se o consumidor tiver algum conflito judicial com o fornecedor do produto ou serviço e obter uma decisão favorável, fatalmente sofre retaliação, porquanto, embora seja cumpridor de suas obrigações, passa a integrar uma nefasta e discriminatória lista negra. Há outras situações graves. As cobranças indevidas. Em certo caso, a cobrança fora de tal modo descabida e reconhecida pela instituição financeira, que me levou a argumentar: "O Brasil deveria ter um cadastro de mau cobrador, e não apenas o cadastro de mau pagador." E disse mais: "O caso ora em exame nos leva a uma reflexão a respeito do excesso de demanda que se acumula no Poder Judiciário, sobretudo por culpa dos grupos econômicos, que adotam práticas abusivas, iníquas, cruéis contra os seus consumidores clientes." São inúmeros situações dessa natureza que abarrotam o Judiciário, a exigirem não apenas um cadastro negativo ou positivo, mas um cadastro que relacione essas práticas abusivas, que configuram conduta ilícita dos maus cobradores. É bom e necessário que se reflita sobre essa questão, em que pese o Código de Defesa do Consumidor conter normas que vedam, com efeitos sancionatórios graves.
 

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