O destemperado deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho dileto do Jair, num rompante principesco, obriga-nos a recorrer à recente história da ditadura civil-militar. E voltamos a 13 de dezembro de 1968, quando um texto autoritário e cerceador das liberdades democráticasfoi levado ao general-presidente Artur da Costa e Silva, que liderava, desde antes de chegar ao poder, a linha dura do regime ditatorial de 1964. Esse documento, o AI-5, estabeleceu o arbítrio absoluto, concedendo poderes ilimitados ao ditador de plantão. De tudo aconteceu para que fosse editado o Ato Institucional n.° 5. Fervilhava, no primeiro ano do governo Costa e Silva, as manifestações pela democracia. Parte da imprensa (como diz Janio de Freitas, “a de sempre”) pedia providências contra “os agitadores”. A morte do estudante Edson Luís provocou um dos maiores movimentos de massa no Brasil. Muitos pediam a decretação do estado de sítio; outros acenavam para edição de um ato institucional, a marca do sistema autoritário. Finalmente, em dezembro de 1968, no dia 13, foi levado o texto do AI-5 para o general-presidente, que o assinou, com o respaldo do todo poderoso Conselho de Segurança Nacional. Quem redigiu o fatídico texto do ato foi Gama e Silva, ministro da Justiça. Mas Costa e Silva não teve tempo de fazer uso do AI-5. Morreu, vítima de um acidente vascular cerebral, tendo sido substituído por uma junta militar, que governou o país de 31 de agosto a 30 de outubro de 1969, para, em seguida, assumir o governo o general Garrastazu Médici, cujo período no poder foi caracterizado por cassações de mandatos de parlamentares, prefeitos, além de sanções a milhares de servidores públicos e censura a filmes, músicas, peças de teatro e livros. Somem-se a esses atos arbitrários as prisões, torturas, assassinatos e ao desaparecimento de muitos brasileiros, que tiveram a desdita de contestar o regime implantado com o golpe de 64.
Alguns analistas afirmam que o AI-5 se constituiu num golpe dentro do golpe. Mas..., uma certeza: o texto tinha sido previamente elaborado pelo ministro Gama e Silva, também conhecido por “Gaminha”, um desses “juristas” que é pau pra toda obra, pondo a sua inteligência, ainda que diabólica, para servir a Deus e ao diabo. Foi um ato de força, diferente dos outros, sem prazo estipulado para sua vigência. A ditadura, com o Congresso fechado, passa a governar através de decretos-leis. Um desses decretos impõe o regime de perseguição disciplinar nas instituições de ensino. Trata-se do famoso Decreto-lei 477. Iniciam-se, como punição sem direito ao contraditório, as aposentadorias compulsórias de professores e a expulsão de alunos. No roteiro autoritário do regime de força, foi editado até mesmo decreto para regular produção de vinho, além de outras aberrações, como isenção tributária para importação de equipamentos para emissoras de rádio e de TV (DL 480). E um amontoado de sandices.
O vetusto e secular habeas corpus foi suspenso. A junta militar passou a reinar sem restrições. Os encarregados dos inquéritos políticos podiam prender quaisquer cidadãos por sessenta dias, dez dos quais em total incomunicabilidade. Nesse espaço de tempo, a tortura era a regra. ElioGaspari, jornalista, afirma que “estava montado o cenário para os crimes da ditadura”, que foram muitos, tendo como um dos autores o homenageado coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. 
Maria Helena Moreira Alves, pesquisadora, que realizou um estudo sobre a ditadura brasileira, resume o poder ditadorial do AI-5: 1) poder de fechar o Congresso Nacional e as assembleias estaduais e municipais; 2) poder de cassar os mandatos eleitorais de membros dos poderes Legislativo e Executivo nos níveis federal, estadual e municipal; 3) direito de suspender por dez anos os direitos políticos dos cidadãos; 4) direito de demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer servidores públicos; 5) direito de demitir ou remover juízes e suspensão das garantias do Judiciário de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade; 5) os acusados em razão dessas arbitrárias sanções não poderiam recorrer ao Poder Judiciário, nem os réus julgados por tribunais militares. Nessa patologia punitiva,foram cassados 113 deputados federais e senadores, 190 deputados estaduais, 38 vereadores e 30 prefeitos, bem como foram punidos milhares de servidores públicos. E ainda: foram censurados mais de 500 filmes, 450 peças teatrais, 200 livros e mais de 550 músicas. Alguns artistas foram vitimados permanentemente por esse tentáculo tenebroso da ditadura: Chico Buarque, Caetano, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, Vianinha, Dias Gomes, Plínio Marcos e muitos outros. Vivia-se na treva do obscurantismo, cantando-se exaltações vazias e ingênuas como “Eu te amo meu Brasil”, além da estultice oficial: Brasil, ame-o ou deixe-o.
Podemos viver o mesmo drama, caracterizado pelo ceifamento das nossas instituições, entre elas a mais sagrada de todas, a democracia, e isso em claro confronto com o que determina a Constituição Federal (§ único do art. 1.°).Ou estaremos à mercê dos filhos diletos do Jair? A resposta precisa ser dada pela cidadania brasileira, para que se possa contrapor à do Eduardo Bolsonaro que ameaça a todos nós com um novo AI-5. Ou seja: se a cidadania consciente, politizada, continuar se manifestando pelos seus direitos, a ditadura é a reposta a ser dada por Jair e seus diletos filhos. A que chegamos, hem? Nadamos, nadamos e morremos na praia.
 
 *Membro da AML e AIL.