Na Constituinte, iniciada em 1.º de janeiro de 1987, dela nascendo a Constituição de 1988, a direita, representada por parlamentares conservadores, originários do sepultado regime e eleitos pelas forças dominantes, convergiu para o Centrão, bloco formado por deputados e senadores do PMDB, PFL, PDS, PTB e de outras legendas de menor expressão, à época. Na esquerda, estavam partidos como PT e PDT. Representavam o Centrão, com maioria na Assembleia, setores da direita conservadora, e assim conseguiu decidir votações importantes, como a questão referente à reforma agrária, mantendo a distribuição desigual da terra, além do mandato presidencial de cinco anos. Havia figuras reacionárias como o ruralista e líder da UDR (repressora do campesinato) deputado Ronaldo Caiado, e os deputados José Lourenço, líder do PFL e ultraconservador de carteirinha, Bonifácio de Andrada, de Minas e pertencente ao PDS, Inocêncio de Oliveira, Francisco Dornelles, Delfim Netto, Ricardo Fiúza, um dos líderes do Centrão e outros tantos que lutavam contra os avanços sociais e econômicos, que poderiam estar garantidos na nova Carta Republicana. Ao lado desses políticos reacionários, conviviam, em constante conflito, os progressistas, como deputado Mário Covas, líder do PMDB, o senador José Paulo Bisol, as deputadas Cristina Tavares, de Pernambuco, e Benedita da Silva, do Rio, o senador Bernardo Cabral, relator da Constituinte, e os deputados Nelson Jobim, não tanto progressista, mas revisor do projeto final da Constituição que seria votada, José Genoíno, do PT, que teve uma atuação constante de luta para que fossem consolidados alguns avanços no texto final, e, além de muitos outros parlamentares, o deputado Ulysses Guimarães, de 71 anos de idade, ex-Senhor das Diretas, que com dedicação, sem descanso, presidiu a Assembleia Nacional Constituinte.
No dia 5 de outubro de 1988, Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, promulga o texto constitucional, pronunciando o célebre discurso, em que brada à nação: “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia.” E proclama a “Constituição cidadã”.
De 5 de outubro de 1988 para as eleições de 2014, passaram-se 25 anos de vida da Constituição cidadã, que nasce, nas palavras enfáticas de Ulysses Guimarães, “mobilizada nos colossais comícios das Diretas-já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador”. Deste marco histórico, a Democracia fluiu com total normalidade, ainda que se considerem alguns acontecimentos tormentosos que marcaram a sua trajetória, como: o impeachment de Collor de Mello, o vergonhoso massacre de Carandiru, a brutalidade da chacina da Candelária, o escândalo dos “anões do Orçamento”, o massacre de Eldorado em Carajás, a privatização das estatais, “doadas” por valores irrisórios e o escândalo do “mensalão”. Embora bastante remendada, a Carta soberana a tudo resistiu, mantendo-se inabalável na garantia das bases do Estado de direito.
Chegamos às eleições de 2014. A direita, sem pejo, mostra a cara. Não caras novas. Algumas bem velhas, como a do deputado Ronaldo Caiado, eleito senador pelo Estado de Goiás. Imagino: o corpo do velho Leonel Brizola, ainda vivo na memória, a revolver-se inquieto no túmulo, falando sobre as perdas internacionais e as reformas de base. Do mesmo modo, lá em Pernambuco, Miguel Arraes, voz soturna, deve murmurar para si mesmo: – O que foi que fiz de errado, meu netinho querido, para que essa turma da direita tivesse um avanço tão perigoso. E deve ainda acrescentar, com num fio de voz: – Fui escorraçado do governo de Pernambuco pelo golpe de 64. Vivi os tomentos do exílio. Voltei. Venci. E agora José? Ou melhor: – E agora Eduardo? Não foi bem isso que te quis!
No Ceará, bem aqui perto, o retorno do notório Tasso Jereissati, coronel urbano, proprietário de quase todo o Estado, desde a água mineral, shopping e o escambau, e os estacionamentos. O Rio de Janeiro, Estado pregador de grandes peças histriônicas, reelegeu o famigerado Jair Bolsonaro, com mais de quatrocentos e sessenta mil votos. Volta, assim, ao Congresso, com sufrágio consagrador, o inimigo público dos direitos humanos. Em São Paulo, Tiririca é eleito com mais de um milhão e cinco mil votos. Com todo esse reacionarismo, o nosso não menos notório Fernando Henrique Cardoso, das privatizações odiosas, tem a cara de pau de dizer que os pobres nordestinos são desinformados e não sabem votar. O pior ainda: em Goiás – pasmem! – a direita elege deputado Delegado Waldir, do PSDB, cujo número 4500, objeto da mais nazista publicidade, era assim: “Vote 4500. 45 do calibre do revólver e 00 das algemas”. Não é surpresa que o pastor Feliciano, fundamentalista homófobo, se consagre com mais de trezentos e noventa mil votos. Só resta dizer: direita, volver!
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