Na Constituinte, iniciada em 1.º de janeiro de 1987, cujos debates temáticos deram origem à Constituição de 1988, a direita (hoje entronizada no poder Executivo, Legislativo e Judiciário), representada por parlamentares conservadores, oriundos do sepultado regime civil-militar e eleitos pelas forças dominantes, convergiu para o Centrão, bloco reacionaríssimo formado por deputados e senadores do PMDB, PFL, PDS, PTB e de outras legendas de menor expressão. Na esquerda, estavam partidos como PT e PDT. O Centrão detinha maioria na Constituinte e representava setores da direita conservadora, tendo conseguido decidir votações importantes, como a questão referente à reforma agrária, ao manter a distribuição desigual da terra, além de fixar o mandato presidencial em cinco anos. Nesse grupo conservador, estavam figuras reacionárias como o ruralista e líder da UDR (repressora do campesinato), deputado Ronaldo Caiado (atual governador eleito do Estado de Goiás, nesta onda de retrocesso de 2018), e os deputados José Lourenço, líder do PFL e ultraconservador (por onde anda?), Bonifácio de Andrada, de Minas e pertencente ao PDS, Inocêncio de Oliveira, Francisco Dornelles, Delfim Netto, Ricardo Fiúza, um dos líderes do Centrão e outros tantos que lutavam contra os avanços sociais e econômicos, que poderiam estar garantidos na nova Carta da República, que completou 30 anos de vida, e sequer é respeitada pelo STF, com decisões interpretativas, em muitos casos, negando a sua vigência.
Ao lado desses políticos conservadores, conviviam, em constante conflito, os progressistas, como deputado Mário Covas, líder do PMDB, o senador José Paulo Bisol, as deputadas Cristina Tavares, de Pernambuco, e Benedita da Silva, do Rio, o senador Bernardo Cabral, relator da Constituinte, e o deputado Nelson Jobim, não tanto progressista, mas revisor do projeto final da Constituição a ser votado. Cite-se, ainda, José Genoíno, do PT, que teve uma atuação constante de luta para que fossem consolidados alguns avanços no texto final, bem como muitos outros parlamentares, com relevância histórica para o deputado Ulysses Guimarães, de 71 anos de idade, o Senhor das Diretas, que com extrema dedicação, sem descanso, presidiu a Assembleia Nacional Constituinte, superando-se a si mesmo.
No dia 5 de outubro de 1988, Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, promulga o texto constitucional, pronunciando o célebre discurso, em que brada à nação: "A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia." E proclama a "Constituição cidadã".
De 5 de outubro de 1988 para as eleições de 2018, passaram-se 30 anos de vida da Constituição cidadã, que nasceu, nas palavras do grande timoneiro Ulysses Guimarães, "mobilizada nos colossais comícios das Diretas-já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador". Desse marco histórico, a Democracia fluiu com relativa normalidade, considerando-se alguns acontecimentos tormentosos que marcaram a sua trajetória, como: o impeachment de Collor de Mello, o vergonhoso massacre de Carandiru, a brutalidade da chacina da Candelária, o escândalo dos "anões do Orçamento", o massacre de Eldorado em Carajás, a privatização das estatais, "doadas" por valores irrisórios e os escândalos do "mensalão" e Lava Jato. E ainda o golpe de 2016, consolidado sobre a alcunha de impeachment, com a deposição da presidenta Dilma Roussef, cujos votos de admissão foram os mais cretinos possíveis, como "pelo neto que vai nascer", "pelos militares de 64", "pelos evangélicos" e outras histrionices. Embora todas essas aberrações, a Carta Política tem resistido, mantendo-se inabalável na garantia das bases do Estado de direito. Até quando?
Já nas eleições de 2014. A direita, sem pejo, mostra a cara. Não cara nova. Algumas bem velhas, como a do deputado Ronaldo Caiado, eleito senador pelo Estado de Goiás. Imagino: o corpo do velho Leonel Brizola, ainda vivo na memória, a revolver-se inquieto no túmulo, falando sobre as perdas internacionais e as reformas de base. Do mesmo modo, lá em Pernambuco, Miguel Arraes, voz soturna, deve murmurar para si mesmo: - O que foi que fiz de errado, meu netinho querido, para que essa turma da direita tivesse um avanço tão perigoso.
No Ceará, bem ao nosso lado, o retorno de Tasso Jereissati, coronel urbano, proprietário de quase todo o Estado, desde a água mineral, shopping e o escambau a quatro. E o Rio de Janeiro, que já votou até em macaco, reelegeu o famigerado Jair Bolsonaro (agora eleito presidente), com mais de quatrocentos e sessenta mil votos. Com essa votação, sufraga o inimigo público n.° 1 dos direitos humanos. Já em São Paulo, Tiririca é eleito e reeleito com mais de um milhão de votos. Todo esse retrocesso foi reiterado em dose cavalar em 2018, com a censura de FHC, que pôs a culpa nos pobres nordestinos, dizendo que são desinformados e não sabem votar. Por fim, em Goiás foi eleito o deputado Delegado Waldir, do PSDB, cujo número 4500, objeto da mais nazista publicidade, era assim: "Vote 4500. 45 do calibre do revólver e 00 das algemas". Em 2018, a situação piorou. De arma em punho, fica dispensada a algema. Mata-se. Só nos resta dizer: direita, volver!
P.S.: Crônica republicada, com algumas alterações, com a finalidade de esclarecer alguns supostos equívocos confirmados no curso da nossa história recente.
* Membro da AML e AIL.
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