Aureliano Neto*
A pergunta que se levanta é: como Senado, contaminado pelo vício da corrupção julgou, usando outras medidas, que não as suas próprias, uma presidenta que não cometeu qualquer delito, muito menos o de responsabilidade? Resposta: é golpe ou é farsa. Mas diz a história que Robespierre, o incorruptível, foi guilhotinado. A defesa da presidenta Dilma desmontou toda a trama golpista. Vamos dividi-la, didaticamente:
Início:
"No dia 1° de janeiro de 2015 assumi meu segundo mandato à Presidência da República Federativa do Brasil. Fui eleita por mais de 54 milhões de votos.
Na minha posse, assumi o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, bem como o de observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.
Ao exercer a Presidência da República respeitei fielmente o compromisso que assumi perante a nação e aos que me elegeram. (...) Sempre acreditei na democracia e no Estado de direito, e sempre vi na Constituição de 1988 uma das grandes conquistas do nosso povo."
Fundamentos:
"Nesta jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade." Sobre a ditadura:
"Na luta contra a ditadura, recebi no meu corpo as marcas da tortura. Amarguei por anos o sofrimento da prisão. Vi companheiros e companheiras sendo violentados, e até assassinados. Na época, eu era muito jovem. Tinha muito a esperar da vida. Tinha medo da morte, das sequelas da tortura no meu corpo e na minha alma. Mas não cedi. Resisti. Resisti à tempestade de terror que começava a me engolir, na escuridão dos tempos amargos em que o país vivia. Não mudei de lado. Apesar de receber o peso da injustiça nos meus ombros, continuei lutando pela democracia." E mais: "Tenho sido intransigente na defesa da honestidade na gestão da coisa pública. (...) não posso deixar de sentir, na boca, novamente, o gosto áspero e amargo da injustiça e do arbítrio."
E sem a canalhice dos traidores:
"Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes. No passado, com as armas, e hoje, com a retórica jurídica, pretendem novamente atentar contra a democracia e contra o Estado do Direito.
Se alguns rasgam o seu passado e negociam as benesses do presente, que respondam perante a sua consciência e perante a história pelos atos que praticam."
E mais:
"Não luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego ao poder, como é próprio dos que não tem caráter, princípios ou utopias a conquistar. Luto pela democracia, pela verdade e pela justiça.
(...) No passado da América Latina e do Brasil, sempre que interesses de setores da elite econômica e política foram feridos pelas urnas, e não existiam razões jurídicas para uma destituição legítima, conspirações eram tramadas resultando em golpes de estado.
O Presidente Getúlio Vargas, que nos legou a CLT e a defesa do patrimônio nacional, sofreu uma implacável perseguição; a hedionda trama orquestrada pela chamada República do Galeão, que o levou ao suicídio. (...)
O presidente João Goulart, defensor da democracia, dos direitos dos trabalhadores e das Reformas de Base, superou o golpe do parlamentarismo mas foi deposto e instaurou-se a ditadura militar, em 1964." O jornal golpista O Globo, ao referir-se à prática de supostos crimes contra a legalidade, sustentava: "Em nome da legalidade, não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada. Agora, o Congresso dará o remédio constitucional à situação existente, para que o País continue sua marcha em direção a seu grande destino, sem que os direitos individuais sejam afetados, sem que as liberdades públicas desapareçam, sem que o poder do Estado volte a ser usado em favor da desordem, da indisciplina e de tudo aquilo que nos estava a levar à anarquia e ao comunismo."
E o remédio dado pelo Congresso foi a ditadura militar, que torturou e matou, com a participação intensiva e ostensiva da mídia golpista.
"Agora, - ressalta - a ruptura democrática se dá por meio da violência moral e de pretextos constitucionais para que se empreste aparência de legitimidade ao governo que assume sem o amparo das urnas. Invoca-se a Constituição para que o mundo das aparências encubra hipocritamente o mundo dos fatos." Na defesa fundamentada, Dilma denuncia a chantagem que levou o notório e corrupto deputado Eduardo Cunha a admitir o processo de impeachment, uma vez que não aceitou a indecorosa proposta para ele não ter o seu mandato cassado, por prática comprovada de corrupção. E conclui: "Peço que façam justiça a uma presidenta honesta, que jamais cometeu qualquer ato ilegal, na vida pessoal ou nas funções públicas que exerceu." Mas golpe, quando é golpe, não há argumentos, há apenas golpe. E golpe se consolidou.
aureliano_neto@zipmail.com.br
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