Como vejo muito pouca televisão, e quase não escuto rádio, limito minhas informações aos jornais e a uma ou outra revista. As semanárias, pelo menos as que leio, estão mais quietas. Dão notícias mais sobre política ou economia. Mas as nossas folhas estão cheias de sangue, ou trazem quantidade de notícias desalentadoras. Ou se passa por cima, ou se lê de forma dinâmica, com uma mera vista dolhos. Vai-se adiante, buscando algumas informações mais salutares, que animem a gente.

Bem. Por que isso?
Peguei o caderno Cotidiano, da Folha de São Paulo, editado na sexta-feira do dia 6 de outubro. Quase que da primeira à última página havia matérias sobre alguma atrocidade. Logo na página inicial deparei-me com a macabra notícia sobre um vigia que pôs fogo numa creche e matou algumas crianças. Com esse tipo de chamada, fui de imediato ao texto e, no primeiro parágrafo, fiquei sabendo que o segurança de uma creche de Janaúba, uma cidadezinha do interior de Minas Gerais, com 72 mil habitantes, ateou fogo em crianças e em si mesmo. Resultado: matou uma menina e três meninos e deixou vinte e cinco feridos. Segundo apuração da polícia, Damião, nome do vigia, tinha problemas mentais e era obcecado por crianças, sendo portador de traumas psicológicos. Entre mortos e feridos, todos graves, havia uma professora, que, segundo soube depois, foi uma heroína, que lutou bravamente para salvar as crianças e teve 90% do corpo queimado.
Passado esse primeiro impacto, na quarta página, vem a notícia da seca do "berçário" do rio São Francisco, com milhões de peixes mortos. Eu que vivi durante muitos anos à margem de um rio, o rio Tocantins, que banha o município de Imperatriz, me inquietei, até porque tenho conhecimento de que o Tocantins vem sofrendo redução das suas águas, com graves consequências para a extinção de algumas espécies de peixe, entre as quais Pacu, Dourado e outras. Há alguns trechos em que o assoreamento é tão grande que as pessoas podem fazer a travessia sem grandes dificuldades. O homem, no afã de sobreviver, extrai da natureza tudo dela, sem estabelecer um limite para sua recuperação, e, como um predador, destrói as nossas riquezas naturais.
A Lagoa Itaparica, "berçário" do rio São Francisco, a maior lagoa marginal desse grande rio, alimentada por pequenas nascentes, está com o leito seco, tendo milhões de peixes mortos. Os seus seis metros de profundidade tão reduzidos a um mísero metro. O Velho Chico se recente desse manancial e arqueja pedindo que cesse a devastação que o está matando.
Saio dessa notícia e vou à página seguinte. E vejo estampada a foto de um homem de 65 anos de idade, braços nas costas, como se estivesse algemado, denominado pela reportagem de detento José Ribamar. Logo acima a chamada para o texto: Pai que deixou filho com estuprador é preso. Leio apenas a primeira parte da matéria: - O pai do garoto de 13 anos que foi achado em uma cela com um preso condenado por estupro em Altos (PI) foi preso nesta quinta-feira (5) após determinação da Justiça.
Em seguida, encontro na penúltima página uma entrevista com Michael Shemer, de 63 anos de idade, historiador e escritor americano que fundou a Sociedade dos Céticos nos Estados Unidos. Esse cético, um religioso protestante que se tornou ateu, afirma que viveu uma experiência religiosa durante sete anos, mas se considerava um chato, saindo desse mundo da chatice quando abandonou a religião, pois acha que os amigos e a família ficaram aliviados, "porque parou de pregar para eles". Shemer prevê que, em séculos, a religião cai em desuso, já que o ser humano dela não mais precisará.
Bem. Não sei se isso é uma verdade científica, ou se é apenas produto do ceticismo ateu de Michael Shemer. Vamos aguardar o passar dos séculos. Quantos? Nem Shemer sabe. Até lá, como as coisas andam, talvez nem o mundo - este que nós estamos nele - exista.
Antes de chegar ao cético Shemer, encontro-me na sexta página com Matheus - Matheus Henrique da Silva Cruz, uma criança de 12 anos de idade, entrevistada pela Folha. Matheus mora numa ocupação e considera um lugar tranquilo, gostando de morar lá, por ter tudo perto: o mercado e a escola, além de um monte de festas. Respondendo sobre quem é o culpado da cracolândia, Matheus não titubeia e dá a resposta na ponta da língua: - Não tem um culpado. Os que vendem são culpados, os que usam também, também aqueles que não dão oportunidade para os outros trabalharem. É tudo um círculo que todos são bem culpados. Por que a vida faz as pessoas se sentirem assim derrotadas? - Às vezes o cara está desempregado, não conseguiu emprego, aí ele fala "estou acabado, não vou conseguir nada". Aí vai usar droga, beber. Por que acha que há tanta gente rica e tanta gente pobre? - Às vezes o rico se oportuna do pobre, o pobre continua dando dinheiro para o rico. (...) o rico acaba manipulando o pobre pro rico ficar mais rico. Tipo, é o ciclo de ganância. Quer sempre mais dinheiro, mais poder, essas coisas. Por esse depoimento dessa criança de 12 anos, a conclusão é de que ainda existe alguma luz no fim do túnel. Basta que nos nossos jovens sejam eficientemente educados. 

* Membro da AML e AIL.