Segundo Aristóteles, tempo é movimento, que pode ser medido com alguma objetividade. E Isso desde quando a mensuração era feita com o relógio de sol, quando as horas eram determinadas pela medição do deslocamento da sombra que a luz provocava ao incidir sobre uma haste ou um triângulo, fixado em uma superfície elíptica ou semicircular. Nos tempos modernos, havendo necessidade de medir com mais exatidão, chegamos aos relógios de precisão atômica. Mas o tempo continua sendo marcado de segundo a segundo, de minuto e minuto, e de hora a hora, num ritmo inflexível e inexorável. Impossível pará-lo, razão pela qual Platão o definiu como a eternidade móvel.
Somos consumidos pelo tempo e consumimos o tempo. Daí o lugar-comum: tempo é um bem valioso. Melhor: valiosíssimo, considerando que o ser humano se maquiniza, se virtualiza, e o tempo fica escasso até mesmo para viver. O certo mesmo: ninguém pode perder tempo. E o consumidor muito menos, já que contrata serviços especiais e específicos, pagando-os com a pontualidade britânica, para deles usufruir sem quaisquer percalços.
Em resumo: o advogado não pode perder tempo, o juiz não pode perder tempo, e a parte em conflito também não pode perder tempo. Já diziam os antigos, tempo vale ouro. A perda de tempo nem sempre é tolerada, causando às pessoas, dependendo da circunstância, inquietação, transtornos e aflições. É o engarrafamento no trânsito. A demora nas filas para pagamento da fatura, recebida com atraso, ou em cima da hora. As esperas delongadas em consultórios médicos. Ou no exame ou no atendimento da pretensão em juízo. A expectativa da decisão que é dada anos depois. Tudo isso e outros infinitos fatores podem gerar a dor, o sofrimento, a angústia, que tipificam o dano indenizável.
A perda do tempo faz com que o consumidor se sacrifique para resolver o problema que lhe foi criado. Em razão do mau atendimento, o desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor desperdiça o seu tempo livre e, em razão disso, desvia as suas atividades necessárias ou por ele preferidas, para resolver uma situação de vício criado pelo fornecedor, quando este poderia tê-lo solucionado sem desperdício de tempo. O advogado Marcos Dessaune, na sua obra “Desvio produtivo do consumidor – o prejuízo do tempo desperdiçado”, constroi essa tese que vem sendo adotada em várias decisões de alguns importantes tribunais brasileiros. Num dos casos, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná negou provimento ao recurso de um banco condenado por demora no atendimento, sob o seguinte fundamento: “O autor sofreu também o prejuízo do tempo desperdiçado, em razão da demora em ser atendido, o qual poderia ter sido utilizado de maneira mais benéfica e proveitosa.” Também a Terceira Turma Recursal Cível da Comarca de Porto Alegre/RS aplicou esse entendimento (desvio produtivo do consumidor, em vista da perda do tempo no atendimento), com estes argumentos: “Ainda, em razão da não resolução do problema dentro do prazo previsto em lei, obrigando o consumidor a dispor de seu tempo na tentativa de resolução da questão, gerando o agravamento da condição de vulnerabilidade.” E a 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em caso semelhante, admitiu o dano indenizável, na linha desse entendimento: “Tempo demasiado sem uso do referido produto – Desídia e falta de respeito para com o consumidor – Tempo perdido do consumidor para tentativa de solução do infortúnio, que acarreta dano indenizável – Inteligência da tese do Desvio Produtivo do Consumidor.”
Pode e deve ser aplicada essa tese em caso de excessiva demora em fila de bancos, para atendimento no caixa, uma vez que o consumidor desperdiça o seu tempo (manhãs e tardes), deixando de realizar outras atividades necessárias para a sua vida familiar ou profissional.
Certo é que o tempo, nos dias atuais, é um bem de grande valor, e, quando perdido, é irrecuperável, o que possibilita a reparação a ser cominada pelo magistrado. Na concepção do juiz André Gustavo Corrêa de Andrade, em “Dano moral em consequência da perda do tempo livre”, “quando está diretamente em jogo um interesse econômico, o tempo desempenha um papel fundamental, como se percebe pela previsão dos juros de mora, da cláusula penal moratória ou, ainda, da possibilidade da indenização por lucros cessantes”. É, assim, por excelência, indenizável o tempo perdido.
O consumidor é quem escolhe em que situação o tempo é livre e quando dele deve usufruir. Assim, não pode sofrer desperdício pelo fato de o serviço de atendimento (SAC) ser ineficiente e não resolver os problemas criados. Por isso, o jurista Rizzato Nunes (O atendimento ao consumidor está cada vez pior) adverte: “Não adianta criar uma ‘ouvidoria’ que não ouve? Nem lê? Ou um Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) que não resolve problemas? O consumidor deve ser olhado em sua integridade pessoal e real, tal como ele é e se apresenta.” A tese de Dessaune é de relevância jurídica e se sustenta em argumentos sólidos, justificando, pois, o dano indenizável na relação de consumo.