A grande luta do homem é, e sempre será, pela igualdade. Senão substancial, pelo menos formal. O direito tem como um dos seus postulados precípuos garantir a igualdade. O Brasil é um país caracterizado extremamente pela desigualdade. Sem lamúrias, mas, constatando fatos visíveis, os pobres estão cada vez mais pobres. Nesta cidade, as palafitas, os bairros carentes, os subempregos, os empregos informais, o desemprego, a desproteção cada vez mais evidente na relação empregatícia, a terceirização, de caráter geral, sobretudo em certas atividades do serviço público, em que a prestadora de serviços ganha rios de dinheiro à custa do suor do empregado terceirizado, além de outras causas que distanciam os detentores do capital da classe menos desprotegido, acentuando, ainda mais, a desigualdade.
Mas não por falta de lei, originária de uma Assembleia Constituinte e vigente desde o dia 5 de outubro de 1988, portanto a completar vinte e nove anos, a Carta constitucional contém normas que tratam da desigualdade, estabelecendo no seu art. 3.º, III e IV, como objetivos fundamentais da República brasileira: a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como promover o bem de todos. Já o art. 5.º inicia um dos títulos mais importantes - dos direitos e garantias fundamentais - preceituando que todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção. Como se deduz, os constituintes pactuaram regras, que não apenas simbólicas, sobre a construção programática da igualdade. Esse pacto afirmativo não é um mero favor do Estado brasileiro; é uma obrigação constitucional. Desse modo, os programas de inclusão social fazem parte dessa estratégia preconizada pela Constituição Federal no sentido de reduzir as desigualdades. Não se trata de uma esmola governamental, como alguns equivocadamente pensam e extravasam opiniões a esse respeito. Sobre cada um de nós pesa uma fortíssima hipoteca social de solidariedade. De outro modo, somos obrigados a conviver com as nossas contradições advindas dessa cruel dicotomia. E somos corresponsáveis por essas contradições. Digo: se a sociedade tem um alto índice de miséria e de criminalidade, a nossa omissão é fator contributivo para isso.
A filósofa judia Hannah Arendt, em Origem do totalitarismo, uma das suas obras seminais, ao tratar da igualdade como relação e valor sociais, afirma que "a igualdade, em contraste com tudo o que se relaciona com a mera existência, não nos é dada, mas resulta da organização humana, porquanto é orientada pelo princípio da justiça. Não nascemos iguais, tornamo-nos iguais como membros de um grupo por força da nossa decisão de nos garantirmos direitos reciprocamente iguais". É de conhecimento palmar que a igualdade formal é dada pela lei: art. 5.°, CF - todos são iguais perante a lei. Já a efetivação dessa igualdade, tendo como finalidade reduzir as desigualdades, com a promoção do bem de todos, se constitui em objetivo do Estado brasileiro, a depender da implementação do que a lei determina, ou seja, a igualdade não será só perante a lei, mas a ser construída em face da lei. Há exemplos que podem ser dados, e um deles é a efetivação da igualdade a ser implementada pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor, cujo fundamento é, por suas regras, garantir a igualdade entre o fornecedor de produtos e serviços e o consumidor, protegendo este por ser, na relação consumerista, o mais vulnerável, assim sujeito a práticas abusivas.
Recentemente, dia 24 de setembro, na Folha de São Paulo, li uma entrevista do economista Marc Morgan Milá na qual faz algumas afirmações sobre essa cruciante questão da desigualdade no Brasil, como: entre 2001 a 2015, houve declínio da desigualdade de renda no mercado de trabalho. Mas os ricos não respondem a pesquisa ou escondem fontes de riqueza. Sobre os mais ricos do Brasil, diz: o grupo dos 10% mais ricos tem cerca de 1,4 milhão de pessoas, com renda anual a partir de R$ 287 mil. O 0,1% mais rico reúne 140 mil pessoas com renda mínima de R$ 1,4 milhão. Enquanto isso, a renda média anual de toda a população é de R$ 35 mil. É uma discrepância muito grande. Esse é o ponto importante no caso brasileiro: a concentração do capital é muito alta. Diz mais ainda o entrevistado: - O Brasil é um animal diferente. É o pais mais desigual do mundo, com exceção do Oriente Médio, e, talvez, da África do Sul. É um dos únicos que não taxam dividendos distribuídos à pessoa física. Obviamente isso favorece as pessoas de renda mais elevada. É uma escolha política. O conflito distributivo vem de longa data, o país foi o último do Ocidente a abolir a escravidão.
As mais recentes notícias divulgadas pelas nossas folhas, que nada têm "fake news", dizem que, segundo o IBGE, 7 em cada 10 empregados são informais e que, na outra ponta, o número de milionários do país cresceu cerca de 11%. Isso quer dizer que, embora o Brasil esteja vivendo uma brutal recessão (queda do PIB de 3,6%), ainda assim, houve um acentuado crescimento da turma dos ricos. Como dizia um personagem de Chico Anísio: pobre, hem, que exploda! Ou, se quiser, vá sobreviver de terceirização, ao menos para garantir o miserável ganho de cada dia. E vai piorar: há um grupo de ricaços, que criou um tal Fundo Cívico para financiar candidatos previamente selecionados. Não deixa de ser uma excelente ideia para aumentar o fosso das nossas desigualdades. É só esperar para ver.
 
*Membro da AML e AIL.