Aureliano Neto*
É notório que quem faz oposição no Brasil não são os partidos políticos. A oposição é feita, e sempre o foi, pela grande mídia, que congrega a reacionaríssima Veja, os jornais Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo (este, dos dois, muito mais virulento e retrógrado) e a rede Globo, especificamente a televisão, já que o jornal O Globo adota uma posição mais ou menos equilibrada, com exceção do colunista Merval Pereira, que é absolutamente antipetista e antLula. Mas a mídia sempre esteve à direita, ocupando posições conservadoras em defesa do capital, em detrimento dos interesses da classe trabalhadora. O mercado - leia-se: interesses alienígenas e do lucro sem compromisso social - é o altar onde a nossa grande mídia se ajoelha. Alguns acontecimentos históricos denunciam esse aspecto ideológico e de comprometimento dos nossos meios de comunicação de massa. Cito-os: a derrubada de Getúlio Vargas, que, mesmo como ditador e depois presidente eleito, realizou governos de caráter nacionalista e de proteção da classe trabalhadora, decorreu da união de grupos conservadores e entreguistas com os meios de comunicação, liderados pelos Diários Associados, tendo à frente a figura arrivista e inescrupulosa de Assis Chateaubriand. O golpe de 64, que implantou no país o obscurantista regime militar, que ceifou as garantias individuais do cidadão brasileiro, tinha apoio desses segmentos. Esse golpe, chamado pelo notório Alexandre Garcia, em texto (A Outra Voz) publicado na revista Manchete, em 1984, de revolução, iniciado em 31 de março de 1964, foi praticamente consolidado no dia seguinte, 1.º de abril, com a derrubada do presidente João Goulart, cujo governo se assentava nas reformas de base, na desapropriação das terras improdutivas, para fins de reforma agrária, e na regulação da remessa de lucros. Ao contrariar interesses conservadores e as posições colonialistas dos Estados Unidos, sucumbiu. (Allende, no Chile, foi assassinado.) No curso, o golpe dentro do golpe, com a edição do Ato Institucional n.º 5, que, fulminando os direitos fundamentais, cerceava em definitivo a democracia, no espaço da ínfima abertura decorrente das eleições para governos dos estados. A tudo isso, a nossa mídia sempre aplaudiu, ou silenciou conivente. Quando houve o movimento das diretas, a maior das manifestações cívicas deste país, a Globo calou. Só veio a noticiar o fato quando os seus veículos estavam sendo apedrejados nas ruas.
Collor foi uma criação midiática. A disputa era entre Lula, Brizola e Collor. A mídia optou por Collor, e, no segundo turno, quando houve o debate, a Globo montou uma edição do JN nitidamente favorável a Collor. Eleito, deu no que deu. E o pior: culpou-se o povo, que, para os conservadores, não sabe votar. Pelo contrário, nas últimas eleições, esse povo, em que pese o partidarismo midiático, tem exercido o seu sagrado direito de cidadania. Consequência: a vida o trabalhador brasileiro tem melhorado.
Há um processo de desconstrução de Lula. A nossa grande mídia se apega a picuinhas para enlamear a figura desse líder trabalhista, que é recebido lá fora com todas as reverências. Assim fizeram com Getúlio e Jango, levando o primeiro ao suicídio e o último ao exílio. Qualquer coisa que dizem de Lula vira denúncia, com espaço nas capas dos jornalões e minutos preciosos no notório Jornal Nacional. Em sucessivos depoimentos, Marco Valério sempre disse que nunca teve contato com Lula, que nunca o viu, chegando a fazer a seguinte afirmação, quando interrogado pela deputada Zulaiê, do PSDB: "...nunca o vi (...) Já vi no jornal, não é? Na televisão." Após condenado por uma série de práticas delituosas, vem mudando a versão, como ato desesperado, e alega, sem a mais reles prova, que pagou despesas pessoais do então presidente Lula. O pior de tudo: a mídia "acredita", dá ênfase, divulga com estardalhaço, e, ainda assim, perde as eleições, como ocorreu em São Paulo, mesmo com a politização do mensalão.
Países europeus e do mundo inteiro recebem Lula e a presidenta Dilma de braços abertos, com toda a reverência que o primeiro representa como político e governante que resgatou muitos brasileiros da situação de miséria em que viviam, além de ter lutado, contra o arbítrio do regime militar, que a nossa velha mídia conservadoramente apoiou. Ouve-se o surrado jargão convservador: ele é analfabeto. Ih!, há muitos doutores e mestres, que culturalmente são de um analfabetismo de dar dó. Não enxergam um palmo diante do nariz. E, olhe, são tantos!
Desconstruir Lula é o caminho que a casa-grande, na feliz expressão do jornalista Mino Carta, prepara para a volta dos neoliberais conversadores que, em governo recente, sob a tutela de FHC, contribuíram para alargar a carência de nosso povo, sobretudo o trabalhador mais humilde, que sequer era atendido por qualquer gerente das nossas instituições financeiras oficiais. Eu advoguei para esse pessoal e senti na carne esse drama. Nos bancos oficiais, prevalecia o terrorismo da demissão. Os tempos mudaram. E para melhor. O concurso é feito, e o aprovado é contratado. A casa-grande adota a postura autoritária de nos ditar a sua verdade, e esse autoritarismo se estendeu para outras instituições, alcançando até o STF. Fala-se até mesmo numa supremocracia, em perigoso desequilíbrio republicano dos poderes. Um poder, diz o filósofo Vladimir Safatle, deve ser a possibilidade de servir de contrapeso aos demais. Assim, não se pode admitir que um ministro do STF diga, sem nenhuma contestação, ainda que tênue, que "a Constituição é aquilo que o Supremo Tribunal Federal diz que é". Não se há que negar hoje o que se afirmou ontem, como tem feito a nossa Suprema Corte. A Constituição não é o que o Supremo diz; ela é o que é, na sua essência histórica, pois expressa a luta libertária e de conquistas da cidadania. De outro modo, é mero exercício de autoritarismo.
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