Aureliano Neto*

Depois do Natal, continuo na minha casa - quase tão antiga quanto ao meu casamento -, feita e subvencionada por muito dos honorários advocatícios, auferidos no trabalho nesta cidade que me acolheu quando aqui cheguei em 1975, para o exercício da advocacia pública no INCRA. De lá para cá, alguns bons anos se passaram. Novos anos e que logo tiveram a ousadia de envelhecer rapidamente. A crueldade do tempo, essa eternidade móvel, não deixa pedra sobre pedra. Para mim o Natal nunca se vai. O ano novo é que vem e vai, como uma roda-gigante no desce e sobe. A gente não percebe, porque o envelhecimento do ano que finda é também nosso próprio. Assim, não há como segurá-lo na sua ânsia passageira. De janeiro, seu primeiro momento de vida, de imediato se chega ao carnaval, etapa seguinte da sua repetida transitoriedade. Na passagem do finado 2012 para o recém a nascer 2013, o canto do carnaval se faz presente. A despedida do velho para o novo tem de tudo um pouco: abraços, beijos, desejos, e muitos desejos de prosperidade, como se a mudança do número pudesse trazer consigo a mudança de toda uma vida. Os franceses chamam de réveillon, que, embora seja uma expressão metida a besta, no fundo, no fundo, quer dizer "véspera", e, como não poderia deixar de ser, é véspera de ano-novo. Culturalmente, a passagem do ano-novo é comemorada no mundo inteiro, contaminando a todos que têm a esperança de que se tenha não apenas uma mudança de calendário, mas uma espécie de transe transfiguradora.
Disse que, passado o Natal, pelo menos como data festiva, continuo na minha casa. Pois é, nela o Natal nunca se foi. Sempre esteve aqui, vivo em todos nós. Dois filhos aqui concebidos, nela nasceram. A médica, Bernadete, e o engenheiro civil, Thiago. O mais velho, Aureliano, que é juiz de direito, nasceu na Luís Domingues, numa porta e janela, onde morávamos de aluguel. Praticamente, naquela rústica, mas agradável morada, iniciamos a vida. Passamos alguns natais e poucos anos-novos. Logo mudamos para a Fortunato Bandeira, onde fincamos raízes e nunca mais arredamos o pé, ou melhor, a alma, o espírito. Os anos passam, vem ano e sai ano - o novo substituindo o velho - e lá estamos nós na velha e reformada casa, ouvindo as canções natalinas, recebendo os amigos e parentes, e comemorando a chegada do novo tempo. Percebemos que o tempo, quer se queira ou não, se renova. Na missa da igreja de Fátima, do dia 25, vi algumas caras novas. Pensei o óbvio: os tempos são outros, a cidade mudou, há muita gente nova; é o novo tempo. Até a Praça de Fátima não é mais a mesma Praça de Fátima. Espantei-me. Fiquei muito absorto na varanda da minha casa. Deitado numa rede, a balançar-me sonolento, sentindo o calor do mormaço, da chuva que apenas respinga no pouco que resta das cãs. Esqueci-me do tempo. Entrei na igreja para missa, mas antes atravessei sucessivas barracas que indicam uma nova cultura de ocupação do espaço público. A praça já não é mais praça. Lamentei. Pelo menos, mantém indelével o seu nome: Praça de Fátima. A igreja, na imponência da devoção dos seus fiéis, continua firme e inabalável, pregando as virtudes cristãs e nos desejando um novo ano, de muita prosperidade. Que não mexam na igreja, por favor. Deixem-na intacta onde se encontra. Em que pese o ímpeto do MP contra a manifestação divina, ainda assim, louvado seja Deus!
Da varanda, ouço Waleska. Tenho o cuidado de ouvi-la com atenção. A musa da fossa solfeja um canto lírico para os que amam. E os amantes fecham os olhos. São as emoções, diz o rei Roberto Carlos. São tantas as emoções, repete o criador de tantos detalhes. Os olhos se turvam. Agora, é "Esse Cara Sou Eu". A receita do amor para ser amado. Ele sabe das coisas. O novo ano se aproxima. 2013. Lembro dos primeiros momentos da casa. O terreno rústico. Só mato. Um casebre ao fundo, que o morador logo o vendeu. Coube-nos na aquisição uma pequena parte. Tudo tinha que começar. Aureliano já estava engatinhando. Os alicerces foram feitos e as paredes edificadas. Antes, um arquiteto improvisado fez um desenho do projeto da futura morada. Seguimos suas diretrizes. Ouço mais uma vez Waleska. Atiraste uma Pedra. Meu Mundo Caiu. Amendoim Torradinho. A Noite de Meu Bem. Prá Você. Outra Vez. A casa finalmente construída. Me vem aquela estrofe da canção, que melhor definiu o sentido da alegria: "Quero a alegria de um barco voltando." Essa alegria de muitas noites felizes e dos anos velhos que se renovam. Jacirema, à frente de tudo, preparando as ceias e fazendo as orações. Sem ela, impossível passar todos esses momentos, todos esses anos. As crianças na ansiedade dos presentes. Papai Noel existia de verdade. Ainda não era um arremedo da publicidade que nos convoca para o consumo. Era só o Papai Noel como símbolo de tantas noites felizes. Os anos se sucedendo. Esta casa, que nasceu rústica, construída com amor, albergou todos os nossos sonhos. Os sonhos sonhados por toda uma vida de natais e anos novos, que se foram e que se vêm. Enfim, como nos diz Pessoa, na voz de Álvaro de Campos, em Tabacaria, "tenho em mim todos os sonhos do mundo.." Assim, sonhemos; é uma necessidade urgente e humanizadora. 2013 precisa dos nossos sonhos. Sejamos sonhadores de todas as impossibilidades.

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