Desde os gregos, muitas foram as definições de democracia. Na Grécia antiga, Clístenes, que era um aristocrata, implantou reformas no sistema de governo, dando origem à democracia em Atenas. Lincoln define-a como governo do povo, pelo povo e para o povo. Churchill, mais radical, assim a denominava: democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais. Norberto Bobbio, ao falar sobre o poder invisível, afirma que a democracia é idealmente o governo do poder visível, isto é, o governo cujos atos se desenrolam em público e sob o controle da opinião pública. Nada impede que se podem admitir todas essas concepções. Nesse momento, interessa-me a de Bobbio, porquanto distingue na democracia o poder visível do invisível. Na primeira hipótese, tem-se, como ideal de governo, a democracia se contrapondo a qualquer forma de autoritarismo, a qualquer dimensão de poder que seja exercido de tal modo que encubra as ações do governante dos olhos dos governados. Na tragédia grega, Tasso faz dizer a Torrismondo que “confiados ao vulgo insensato, os segredos de Estado não estão bem guardados”. Nem a democracia.
Referindo-se ao poder invisível, Bobbio acentua que esse “se forma e se organiza não somente para combater o poder público, mas também para tirar benefícios ilícitos e extrair dele vantagens que não seriam permitidas por uma ação à luz do dia”. Pois é: ação à luz do dia, ou à luz do sol, é que faz com que as instituições de um país livre possam durar por muito tempo, vencendo todos os perigos decorrentes de conflitos institucionais. Toda governo autoritário contém, em si, esse poder invisível, que se volta contra a instituição do Estado, ao insurgir-se contra a liberdade.
O poder visível se constitui em tudo aquilo em que há interesse de que venha a público, ao conhecimento dos cidadãos que se preocupem com o exercício amplo dos seus direitos. O invisível é sub-reptício, acobertado pelo autoritarismo, constituindo-se nos “segredos de Estado”, cuja vida e sobrevida se encontra na penumbra do governo. E quem o tornar público passa a ser inimigo número um de quem exerce o poder estatal. Bobbio chega a afirmar que sempre haverá um poder invisível contra o Estado.
Mas é o próprio Bobbio quem ensina: “Em um regime democrático é absolutamente inadmissível a existência de um poder invisível que atue paralelamente ao poder do Estado, ao mesmo tempo dentro e contra, que sob certos aspectos é concorrente e sob outros é conivente, que emprega o segredo não para abater o Estado mas tampouco para servi-lo, que se vale dele principalmente para evitar e até violar impunemente a lei, assim como para obter favores extraordinários ou ilícitos”.E acentua, ainda: “É um poder que pratica atos politicamente relevantes sem ter qualquer responsabilidade política sobre eles, mas, ao contrário, procurando escapar por meio do segredo até mesmo das mais normais responsabilidades civis, penais e administrativas.”
A democracia, como instituição política de governo, para durar por muito tempo, recepcionando a confiança dos governados, deve o governante que exerce o mandato, agir sob o manto da transparência. E, nesse ponto, que tem relevância a ação fiscalizadora não só do parlamento, mas, acima de tudo, da opinião pública, através do amplo exercício da liberdade de expressão, a marca do regime democrático. Ou de manifestações de inconformismo da cidadania ativa. De outro modo, tem-se uma democracia, fantasiada tristemente de governo autocrático.
Quer se queira ou não, a Constituição brasileira, no art. 220, garante a manifestação de pensamento, bem como a de expressão, sem qualquer restrição, ao dispor que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Além do mais, “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” - § 2.° do mesmo art. 220, CF.
Por que todo esse intróito? Respondo. O nosso capitão-presidente decretou uma guerra, exercitando o poder visível e invisível, contra meios de comunicações que estão a lhe desagradar. Acrescente-se: esse governo, apoiado por uma facção desmiolada, vem flertando com o autoritarismo, embora a postura do capitão não seja novidade. Sempre se pronunciou favorável à tortura, à ditadura e à solução dos problemas sociais do país com o uso da arma de fogo. Um dos seus filhos, não sei se o 1, o 2, ou o 3, fez clara referência à possibilidade de uso do AI-5. Na mesma trilha autocrática, seguiu o Sr. Guedes, o Posto Ipiranga, encarregado dos mirabolantes planos econômicos, cujo desiderato é solapar direitos do trabalhador. Até a ditatorial Lei de Segurança, originária do regime militar, foi lembrada como arma “democrática” do capitão. Como o Brasil não tem a índole combativa dos chilenos, argentinos, colombianos e etc., estamos como o velho fraco de Chico Buarque, vendo a banda passar. Depois, a única coisa a fazer, como diz poeta Bandeira, é tocar um tango argentino.
* Membro da AML e AIL.
Comentários