Há um novo conceito de democracia na pátria amada, que contraria em grau, gênero, número e em todos os sentidos, quer sociológicos, filosóficos e políticos, a célebre definição dada pelo rústico advogado, cujo nome ficou eternamente para história, Abraham Lincoln, nascido em 1809 e assassinado em 1865 por um tresloucado reacionário que entendia que a liberdade e a igualdade teriam, contraditoriamente, que existir com a crueldade da escravidão do negro. Lincoln, em poucos minutos, em Gettysburg, fez o mais belo e fundamental discurso da sua vida como estadista. E iniciou dizendo: "Oitenta e sete anos atrás nossos antepassados criaram uma nova nação neste continente, concebida em liberdade e dedicada ao princípio de que todos os homens nascem iguais." Nesta passagem, Lincoln se refere aos termos da Declaração de Independência, firmada no princípio "de que todos os homens nascem iguais". Ao finalizar o seu breve, mas histórico discurso, Lincoln afirma os postulados da democracia: "...que esta nação, com a bênção de Deus, testemunhe um renascimento da liberdade - e que seu governo do povo, pelo povo, para o povo nunca seja extinto da face da terra." Lincoln, nessa manifestação, num momento crítico da história, em que os Estados Unidos da América do Norte se dividia numa sangrenta guerra de secessão, fixa os postulados da luta, assentados da igualdade, na liberdade e na democracia como governo do povo, pelo povo e para o povo. Esses princípios prevaleceram ante a insensatez daqueles que queriam a separação, para manter a insanidade de uma economia escravocrata.

O capitão, diferentemente de Lincoln e historicamente da clássica concepção de democracia, que chegou até nós desde os gregos, em discurso não tão célebre, mas ameaçador à própria democracia como regime de liberdade, ao discursar para o Corpo de Fuzileiros Navais do Rio de Janeiro, disse do alto dos cinquenta e oito milhões de votos, que lhe foram dados democraticamente por brasileiros e brasileiras, que "democracia e liberdade só existem quando as Forças Armadas assim o querem". Bem. Não votei no capitão e jamais votaria. Mas, salvo engano (e não sei se o capitão foi constituinte), a Constituição da República Federativa do Brasil se originou de um processo radicalmente democrático, com grandes debates na Assembleia Constituinte, até chegar à promulgação em 5 de outubro de 1988. Nela - e sou repetitivo - não consta que a democracia deva ser concedida pelas Forças Armadas. Ao contrário, a partir do preâmbulo, tem-se a seguinte declaração: "Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinados a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna..." 
Em vista da declaração agressiva e autoritária do capitão, dei uma olhada apenas no preâmbulo da Constituição Federal e não encontrei nenhuma referência às Forças Armadas como instituidora do Estado democrático. Pelo contrário, como dito acima, consta que essa instituição teve como responsáveis os representantes do povo brasileiro, tanto que há um dispositivo na Carta da República, integrando os princípios fundamentais, que afirma que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição". Lembro que o capitão jurou solenemente cumprir a Constituição da República, instituída por representantes do povo brasileiro e firmada nos postulados da democracia (igualdade e liberdade). Como decorrência, sem necessidade de jurar ou fazer cumprir a Constituição, muito menos cantar o hino nacional ou fazer continência, não há em nossa Carta da República nenhuma regra, sequer um insignificante parágrafo, que estabeleça que a democracia e a liberdade só existem quando as Forças Armadas o querem. Se não existe, infelizmente para uns e felizmente para outros, estamos na iminência de um golpe. E o que é pior: à revelia dos meios de comunicação, como Globo, Estadão e Folha de São Paulo, além de inúmeros outros, que alavancaram o golpe do impeachment e contribuíram ostensivamente para a consagradíssima eleição do capitão, que não fez um só discurso, nem sequer precisou apresentar qualquer plano de governo, estando a confundir caserna com a pátria amada Brasil.
O que esperar do capitão? Reforma da Previdência, como quer a rede Globo? Valorização do povo brasileiro, sobretudo a proteção dos mais pobres, ou, ao contrário, elevar, ainda mais, o lucro dos grandes grupos econômicos? Não se sabe. Porém tudo indica que é prioritária a segunda opção. O capitão gosta de tuitar. Não tem muito tempo para outra coisa. Rivaliza-se com anjos e demônios, até com foliões carnavalescos. Nem a cantora Daniela Mercury escapou. Sempre ameaçando, como se o Brasil fosse sua propriedade. Quando menos, para ridicularizar o suposto inimigo, sem nenhum pejo, em respeito ao cargo, divulga cenas pornográficas. Os filhos, ah!, ora os filhos... São tantas e tantas aberrações, que nos recomendam a pôr a barba de molha.

* Membro da AML e AIL.