Como sabem, tenho a mania de ler jornais. Recentemente, para ser mais preciso, no dia 28 de outubro passado, li o tabloide O tempo, de Belo Horizonte, Minas, que me foi trazido pelo amigo Lourival Serejo, ao retornar de uma de suas viagens em que foi proferir uma palestra (ou melhor, conferência) sobre Direito de Família, ramo da sua vasta área jurídica de conhecimento. Comecei a folhear o jornal belohorizontino e, na página 6, no caderno Política, encontro, de chofre, esta notícia: Brasil tem a pior democracia. Assustei-me, mas não porque tivesse alguma reles certeza de que a nossa amada pátria vivesse uma democracia mais ou menos como governo do povo, pelo povo e para o povo, na célebre proclamação de Lincoln. Não. Não bem assim. Mas, em contrapartida ao título referido, o governo funciona, não existe a supremacia interventiva civil-militar, como já o fora nos duros tempos da história recente; do mesmo modo, o Judiciário tem atuado com extrema desenvoltura, sob a batuta de ministros e outros setores adjacentes, até se dando a luxo de ter magistrado que mantém relações com correligionários, fato esse até então inédito. Então, em conclusão lógica: tudo vai bem enquanto o povo vai mal, o que levaria a outra óbvia conclusão: a nossa democracia deveria ser uma das melhores do mundo, aplaudidíssima pela maioria de nosso sofrido povo. Mas qual nada!
Vamos ao que diz a matéria jornalística, produto de uma pesquisa, realizada por uma ONG chilena, Latinobarômetro, em 18 países, especialista nessa espécie de trabalho, uma vez que o faz desde o ano de 1995. Com referência a nossa querida pátria, apenas 13% dos brasileiros consultados se declararam satisfeitos com o funcionamento de nossa democracia. Ficamos no último posto dos insatisfeitos do ranking. E bem atrás dos 22% dos satisfeitos venezuelanos, cujo governo a maior parte dos governos sul-americanos e a mídia ocidental classificam como ditadura, isso cantado e decantado diariamente. Quando os brasileiros são perguntados se o governo age visando o bem de todos, apenas 3% respondem concordando. E voltemos nesse item para o último lugar na tabela de insatisfeitos. Como consequência, chega-se à inevitável e cruel conclusão, que macula a nossa democracia: 96% dos brasileiros acham que se governa só para "grupos poderosos", percentual bem superior aos 75% de descrentes da média latino-americana.
Outros dados assaz importantes. Diz mais a pesquisa: - Quando em vez de democracia se mede o apoio ao governo, o resultado é idêntico ao de todas as demais pesquisas: só 6% apoiam o governo Michel Temer, um sexto da média latino-americana, de 36%, bem abaixo da primeira colocada, a Nicarágua (67%), e abaixo até da Venezuela, em grave crise (32%). Pois é, meus caros cidadãos brasileiros, no termômetro da insatisfação democrática, perdemos até mesmo para Venezuela, que a nossa mídia insiste em tachar de regime ditatorial, o que a pesquisa, conforme os números, desmente, apontando o Brasil como a pior democracia do continente latino-americano.
Das outras instituições mais confiáveis é a Igreja (especificamente a Católica). 65% confiam nela. As forças armadas vêm com 50%, a polícia, com 34%, o Judiciário, com 27%, o parlamento, com 11%, e o governo, como instituição não personalizada, com 8%, também figurando no último lugar do ranking. Os partidos políticos obtiveram a confiança de apenas 7%. Ou seja: a nossa situação democraticamente falando, na expressão de Stanislaw Ponte Preta, alter ego de Sérgio Porto, está mais pra urubu do que pra colibri. Isso quer dizer: tá feia.
Também, vejam bem. Estamos com um banco público, como o Banco do Brasil, na iminência de fechar as suas portas. E isso tomei ciência numa conversa informal que mantive com um dos seus empregados em São Luís. Cheguei para pagar a conta de energia elétrica no caixa tradicional, aquele da filinha. O motivo: fácil de explicar. Com absoluta anormalidade, as faturas de energia não são lidas nos caixas eletrônicos. Anda-se de máquina em máquina para conseguir fazer o pagamento. Uma perda inesgotável de tempo. Tentei. Sem êxito. Fui ao tradicional. De posse da senha, aguardei a minha vez. Chamado, encaminhei-me para efetuar o pagamento. Surpresa: não foi possível. O Banco do Brasil não tem mais convênio para receber as faturas nos caixas de balcão. Só no autoatendimento. Disse-me mais o empregado do banco: se continuar como está, não haverá mais este serviço. E acrescentou: ainda hoje há uma licitação de uma folha de pagamento de um órgão público e o banco sequer está participando. Ganhará possivelmente um banco privado. Conclusão: o Banco do Brasil ou brevemente fecha, ou será fatalmente privatizado. A estratégia precarizadora tem essa finalidade.
A par de tudo isso, desse desgoverno Temer e seus asseclas, na votação na Câmara Federal da segunda denúncia contra Temer, um deputado de Mato Grosso do Sul, Carlos Marun, após a rejeição, com estarrecedor cinismo, de forma patética, provocadora e escárnio aos brasileiros, dançou, rebolou e cantou Tudo está em seu lugar, ressaltando o famoso estribilho Graças a Deus, criado pelo compositor e cantor Benito di Paula. Benito ficou uma fera. Mas, em São Paulo, o famigerado João Dória, para matar a fome dos milhares de miseráveis, resolveu oferecer farinata, feita à base de mistura de alimentos prestes a irem para o lixo. Na minha santa inocência, creio que Dória, antes de fazer esse humanitário adjutório, deve ter se reunido com os seus amigos da alta sociedade paulista e se banqueteado com a farinata para beneficiar-se dos seus efeitos nutritivos. Com todos esses eventos dantescos, a nossa democracia só poderia estar na situação de fragilidade em que está. Aguardemos que logo vem ai Luciano Huck, para oficializar a farinata. Aí teremos uma disputa dos diabos: Dória, Huck e Bolsonaro. E tudo está em seu lugar.
* Membro da AML e AIL.
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