Nada contra. Pelo contrário. Apenas alguma perplexidade momentânea. Sem nenhuma conotação de escândalo. Talvez, quem sabe, o ambiente é que não era apropriado para a cena, nem tão grotesca, nem trágica. Apenas inusitada, a clamar por algumas necessárias e íntimas interrogações, cujas respostas ficaram perdidas em meras reflexões íntimas. Era noite. Entraram duas jovens, bem jovenzinhas. Pareciam irmãs. As fisionomias de ambas denotavam essa possibilidade biológica. Uma delas vinha vestida numa sainha branca, bem curtinha, com rendas. Vieram de mãos dadas. Sentaram num dos primeiros bancos. Algumas leituras já tinham sido feitas. O padre estava para iniciar a homilia, cujo tema era a tentação de Cristo. Como se sabe, o demônio, naquela sua insistência diabólica, procurava convencer o Filho de Deus que o melhor caminho seria segui-lo, e o mundo todo cairia aos seus pés. Grandeza, fortuna e poder eram o Seu prêmio. Cristo, resistente, não aceitou a provocação. Mas, ainda assim existem muitos demônios a nos provocar. E não é de todo acaciano aceitarmos o conselho de que devemos ter cuidado com essas tentações.

Os costumes mudaram. É fato. Nem poderia ser de outra forma. A história dessas mudanças registra a participação ativa de grandes nomes. Especificamente mulheres que contribuíram com a sua luta para que se concretizassem essas transformações de valores, costumes, comportamentos, leis. Nísia Floresta, pouco lembrada, foi uma delas, considerada a primeira feminista brasileira que encampou a luta pela capacitação intelectual das mulheres e do seu direito à educação, tendo também participado dos debates sobre a abolição da escravidão. Josefina Álvares de Azevedo, na década de 1880, se posicionou a favor da participação da mulher na política, sustentando a posição libertária de que a mulher não poderia ficar alheia às responsabilidades morais e legais. E a ativista Bertha Lutz, que, retornando da Europa, onde estudou na Sorbonne, deu início à luta aberta pela emancipação feminina, intercedendo pelas conquistas das empregadas no comércio, que trabalhavam como escravas numa carga horária de treze e quatorze horas diárias. Deu prioridade à conquista do voto feminino. São muitas as heroínas. Simone de Beauvoir, em 1949, já proclamava, num aforismo que a história confirmou no curso do tempo, que não se nasce mulher, torna-se mulher. No curso da história, o advento da pílula anticoncepcional e a revolução dos costumes, deflagrada no final dos anos 60, mudaram radicalmente a mulher, que passou a ocupar espaços que eram de propriedade exclusiva dos homens. A "moça de família", que namorava na janela, saía acompanhada para o cinema ou teatro, noivava e, algum tempo depois, casava, ficou para um passado tão remoto, que só é lembrado nos romances que já não são mais lidos. Agora, os tempos exigem Cinquenta Tons de Cinza, uma espécie de literatura mais consentânea com a nossa realidade, sem quaisquer restrições morais.
Vive-se o século da supremacia da mulher. E isso é bom. Os paradigmas são outros. Que sejam então instituídas cotas para o gênero masculino, embora as mulheres mereçam nosso apreço e homenagens e devam meritoriamente ser reverenciadas.
Mas... Volto à jovenzinha de sainha curta. O que de fato me chamou a atenção não foi a sua reduzidíssima saia. Ou ela própria. Não. Não foi bem isso. O que me ativou a curiosidade foi a sua entrada triunfal num ambiente solene, e o fato de ela estar, a todo instante, ajeitando a sainha com a preocupação de que não subisse para além das alturas onde perigosamente já se encontrava. Veio-me a óbvia interrogação: por que o uso da sainha tão curtinha, se havia a preocupação de encobrir o que já estava notoriamente a descoberto? Ora, pensei, embora não seja entendido em moda: se é para ter tanta preocupação, inexplicável, pois, o uso da sainha que em pé já estava nas proximidades dos quadris, e, sentada, chegava à nudez explícita. Mas, a todo instante, como cacoete, repetia o repuxamento constrangedor.
Nessa luta contra a teimosia da saia que insistia em subir às alturas, lembrei-me de duas espécies de roupas íntimas, que foram de uso corriqueiro: a anágua e a combinação. Lembram? A primeira mais curta, e a segunda mais comprida, que serviam de proteção aos olhares curiosos. Dizem que tanto a anágua como a combinação eram usadas pelas mulheres para que as protegessem dos sedutores olhares dos homens. Ouvia-se repetidamente a advertência: - Olha, menina, sua anágua está aparecendo! Desbordava numa mostragem insinuante, e isso era uma afronta a denunciar a concupiscência, a receber a vigilância da mãe zelosa ou da tia ou avó defensoras da moral vigente. Felizmente, chegou-se a óbvia conclusão: anágua e combinação não serviam para nada. Só davam trabalho para que a mulher tivesse fazer uso obrigatório dessas indesejáveis peças íntimas. Com todos esses rigores de um tempo sepultado por outros valores, o sutiã pagou o pato. Um belo dia, foi queimado em praça público. Bem feito para essa atrevida peça que só serve para encobrir uma das belezas anatômicas que torna ainda mais feminina a mulher. O sutiã não deixa de ser um intrometido, que deveria sofrer o esquecimento da falecida anágua e combinação. A sua extinção seria, com certeza, festejada em praça pública, com foguetes, retretas e bandas de música.