Historicamente, o Brasil nunca teve uma revolução, no sentido de mudanças transformadoras, ficando sempre pela periferia de algumas revoltas, como as de Guararapes, Palmares, Sabinada, Balaiada, a da Vila de Caxias, Canudos, de Manuel Beckman, na capitania do Maranhão, e a Conjuração Mineira, na capitania de Minas Gerais, cujo herói foi Joaquim José da Silva Xavier, e o delator Joaquim Silvério dos Reis. Essas revoltas sempre tiveram mártires e alguns célebres traidores. É de uma obviedade ululante que da traição ninguém escapa, nem Cristo, que, embora previsse, não conseguiu evitar a sanha delatora de Judas, que escreveu seu nome definitivamente na história da traição universal.
Do que se conta na história da nossa pátria amada, atenho-me, de início,a duas traições, porque ambas têm relação íntima com o Maranhão. E a uma terceira, cujas vítimas foram o Brasil e os brasileiros. A primeira,de Lázaro de Melo, afilhado de Manuel Beckman, líder da revolta na capitania do Maranhão, que se insurgia contra os desmandos e a exploração comercial da Companhia do Comércio do Maranhão, criada pela Coroa, em 1682. Lázaro, para ser compensado com o cargo de capitão das ordenanças, dedurou, sem dó nem piedade, o seu padrinho Manuel BeckmanA revolta de Beckman foi rebelada pela Coroa portuguesa, que enviou para contê-la 150 soldados, comandados pelo tenente-coronel Gomes Freire, que, vitorioso, restabeleceu as autoridades depostas no levante. Nomeado governador, ofereceu recompensa para quem delatasse o líder do movimento. Lázaro prestou-se a essa nefanda missão de dedo duro. Beckmane outros líderes foram enforcados, no dia 2 de novembro de 1685, passando, como disse Getúlio na sua Carta Testamento, da vida para história.
A outra traição, que ficou para os anais da história, é a de Joaquim Silvério dos Reis, que, de bom, sem excluir a execrável conduta, resultou no feriado de 21 de abril, quando o outro Joaquim, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi enforcado, tendo o corpo esquartejado e exposto pela via pública.
Lendo o livro Variedades históricas maranhenses, pesquisado e organizado por Luiz de Mello, consta nele o texto do historiador Ribeiro do Amaral, que relata a presença do traidor Silvério dos Reis aqui no Maranhão, onde viveu e morreu. Numa das passagens, diz Ribeiro do Amaral: “O coronel Joaquim Silvério dos Reis, o delator do Tiradentes (diz Montenegro Cordeiro) para escapar aos ódios populares, partiu abandonando a maior parte de sua fortuna, para a Província do Maranhão, onde viveu perseguido pelos remorsos. Para se subtrair às antipatias que o seu nome suscitava, acrescentou-lhe o sobrenome de Montenegro tomado dos seus antepassados de Portugal.”
E Silvério dos Reis foi vivendo por aqui, em absoluto ostracismo, recebendo a paga pela sua nefanda traição. Cita Ribeiro do Amaral relatos de outros historiadores que dão conta que trair, embora o traidor receba as moedas do ato indigno, não compensa: “Este Silvério dos Reis era um coronel de milícias muito conhecido pela alcunha de Joaquim Silvério – indivíduo de péssimo caráter que traindo seus amigos esperava com isso lucrar grandes aumentos em sua fortuna. Puniu-o, porém, a opinião pública, obrigando-o a abandonar o teatro da sua perfídia e retirar-se para o Maranhão...”
Assim como Judas, Lázaro de Melo e Silvério dos Reis passaram a viver no isolamento resultante da indignidade do ato.
A mais recente traição: a de Michel Temer que deve fazer companhia aos de cima, pois em nada fica a dever a esses traidores. Conspirou ativamente no golpe do impeachment. E o fez ora furtivamente, nos bastidores, como Judas, Lázaro e Silvério dos Reis, ora abertamente, dando declarações nas mídias: jornais, rádio e televisão. Motivação para o golpe do impeachment: pedaladas. Um delito, na concepção dos conspiradores, de imensa gravidade. A única verdade: não houve desvio de recursos públicos, inexistiu ato de corrupção da presidenta destituída pelo golpe. Enfim, não houve absolutamente nada. Só pedaladas. Os golpistas, entre o quais o traidor Temer, derrubaram a presidenta.
Ao saber da prisão de Michel Temer, por prática de corrupção (e não pedaladas), embora ele tenha na face o estigma de traidor, ainda assim, não concordei com o ato. A prisão cautelar só pode ser decretada excepcionalmente. Todo acusado, e mesmo indiciado, luta pela sua liberdade, por se tratar de um direito fundamental. Não se pode, a bel-prazer, decretar prisão a torto e a direito, apenas porque se quer.
Mas Temer não só traiu a sua companheira de governo, no golpe do impeachment, como traiu os trabalhadores brasileiros, ao fazer a famigerada reforma trabalhista. Mesmo assim, o princípio da legalidade está acima de qualquer sentimento de rancor.Não sei se Temer, além de traidor, é corrupto ou não. Só o contraditório, a prova e o devido processo legal irão chegar a essa conclusão. Enfim, uma outra verdade: assim como Lázaro de Melo, Silvério dos Reis e Judas, quem planta vento colhe tempestade.
* Membro da AML e AIL.
Comentários