Nesse mês de julho, resolvi dar uma folga a mim mesmo. Entrei de férias. Ou melhor: entraram-me de férias. Saí da burocracia da vida e fui para o mundo. Segui a profissão de fé de quem disse, não sei quem: - Pertencemos ao tempo e aos espaços onde circulamos. A vida nos impõe circunstâncias. Agradáveis ou não. No ir ao mundo, estive no Rio e, claro, dei uma passada por Paraty, para ver um pedacinho da FLIP. Deu tempo para algumas coisas, inclusive assistir ao astro do momento literário Benjamin Moser, autor da célebre biografia de Clarice Lispector e da obra que reúne todos seus contos.  Moser é aquele que declarou “se sentir brasileiro”, embora ressalvando que “a decepção faz parte da vida brasileira”. Há uma pitada de razão nessa pessimista conclusão. Deixando de lado a decepção, com amigo Lourival Serejo e nossas companheiras de todo momento (de grandes alegrias e pouquíssimas tristezas, pra vida não ficar chata), andamos pelas ruas pedregosas de Paraty. Eu, não, mas Lourival saboreou um dos quitutes da cidade: a banana assada em calda de laranja, com canela. De lá, fizemos o retorno para a cidade do Rio Janeiro, para, no Teatro João Caetano, ver Galileu Galilei, com a excelente atriz Denise Fraga. Ainda assisti a um musical com Evinha. Lembram? Aquela cantora do Trio Esperança, irmã dos rapazes do Golden Boys, e que, depois, emplacou a carreira solo, com os sucessos Teletema, Casaco Marrom e a inesquecível Cantiga por Luciana, composição de Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, com uma letra que nos convida a ter saudade. Saudade da boa música e da interpretação suave e sedutora de Evinha.
Continuei a caminhar pelo mundo. No mundo da leitura. Não podia fugir ao desafio do contato com a narrativa de Clarice Lispector. As férias impõem esse prazer. Para isso, levei alguns de seus livros. Entre os quais a A Hora da Estrela, Água Viva e A Maçã no Escuro. Iniciei a leitura de A Maçã no Escuro, donde retiro algumas frases bem clariceanas: “Até que mais profundamente tarde também a lua desapareceu.” “...o cheiro era o seco cheiro de pedra exasperada que o dia tem no campo.” “Lentamente o escuro se pusera em movimento.” “Quando o silêncio se refez dentro o silêncio, Martim adormeceu ainda mais longe.” “Martim suspirou dentro de seu largo sono acordado.” “Martim percebeu o silêncio e dentro do silêncio a sua própria presença.” “O homem ficou olhando até que a vida que se instalara no terreno começou a acordar.” Essa é a Clarice a produzir uma narrativa extremamente poética, quer seja romance, conto ou crônica. É uma leitura prazerosa do mundo, e desafiadora.
Mas meu contato com o mundo é pelos jornais e revistas, com estrita aliança com os livros. Minha revista semanal é CartaCapital. Jornais diários: O Imparcial, O Estado, editados em São Luís, e O Progresso, publicado em Imperatriz. Sou também assinante de fim de semana da Folha de São Paulo, recebendo-a de sexta a segunda. Leio-os nos fins de semana, quando meu tempo é mais disponível. Parte de sexta-feira, sábado e domingo. Quase não vejo o noticiário de TV. Sem ser esnobe, meus canais preferidos são os de esporte, TCM, com projeção de filmes clássicos, Arte 1 e Curta. Esporadicamente, vejo um ou outro canal alternativo. E só. Tenho que ler, porquanto ajuda a construir uma reflexão mais profunda sobre os temas políticos, econômicos e jurídicos. O jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, Paraná, edição de 23 a 24 de julho, trazido a mim pelo amigo Lourival, traz esta chamada de capa: Quem lê é melhor do que quem não lê. Destaca, ainda, a seguinte informação: “Pesquisas falam sobre a ‘leitura profunda’ como forma de exercitar o cérebro e até criar a empatia, ampliando a sua compreensão do mundo, das pessoas que vivem nele e de você mesmo. Esse exercício tem mais a ver com textos de ficção e não ficção em que se pode mergulhar e menos com a leitura de águas rasas. A imersão faz diferença.”
O processo de entender o mundo não está apenas nas férias. Começa na infância. Minha iniciação na leitura teve como marco os gibis: as revistas em quadrinhos. Não havia ainda a tragédia do celular, que hoje contamina os cérebros das crianças desde o berço. Há pais que adoram. Não sei se no futuro não lamentarão produzir e educar crianças robotizadas por essas novas tecnologias. Cada um sabe de si. Assim, contaminei-me pelo vício da leitura a partir dos gibis. Um dos grandes divertimentos era a troca de revistas na porta do cinema Rialto, na rua do Passeio, quase em frente do Pronto Socorro.
Pela leitura, nas férias, fiquei sabendo através do colunista da Folha, Bernardo Mello Franco, dia 08/7/2016, p. A2, que “a Lava Jato interrompeu a ascensão meteórica (de Cunha), mas Cunha não jogou a toalha. Negociou com o governo e oposição, chantageou a céu aberto e, ao se sentir rifado pelo PT, abriu o processo de impeachment”. Isso, na leitura das coisas do mundo, contribuiu para que trinta e três deputados norte-americanos manifestassem seu repúdio, afirmando que “o processo de impeachment está sob críticas de irregularidades de procedimentos, corrupção e motivações políticas desde seu início”. Cunha renunciou à presidência da Câmara. Chorou. Mas o serviço estava feito. O justo, como ocorreu há dois mil anos, é sacrificado pelo pecador. O bandido é Cunha. Quem é apenada é Dilma. Os grandes devedores são os ricos empresários da Fiesp. Quem paga a conta é o governo. São as coisas inexplicáveis deste mundo.