Sobre o amor, o escritor português Camilo Castelo Branco disse: - O amor é a primeira condição da felicidade do homem. Talvez por isso, tenho me recusado ser o homo digitalis dos tempos atuais: só, triste, radicalizado pelos guetos virtuais. Ora, convenhamos, a arte de amar, sem intermediação, ainda é essencial para todos nós. Ao menos, para mim. Mas disse-me minha mulher que numa recente novela, cujos temas - também dizem, não mais a minha mulher - estão atualíssimos, uma personagem feminina realizou, com uma festa cheia de pompas, um casamento sem o outro ou a outra, para comprovar que poderia viver sozinha, sem depender de ninguém, ou melhor, sem carecer do amor de ninguém. Como não acompanho novelas, não por preconceito por esses folhetins televisivos, mas por falta de tempo e de paciência para estar todo santo dia em frente à tv e acompanhar essas tramas diabólicas criadas pelos nossos realistas dramaturgos, que têm o poder de captar e revolver a nossa realidade do dia a dia. Ainda assim, ao ouvir essa história do casamento solitário consigo mesmo, lembrei-me de um desses idiotas que costumam insculpir frases de efeito emocional, e teve o disparate de afirmar: - Por causa do seu amor, jamais serei um espírito solitário. Não sei por quê, me veio à mente, quem sabe influenciada por algum filme de terror que tive a ousadia de ver, ou por esses macabros noticiários de nossos jornais televisivos, a imagem de Temer, esse mesmo, o Michel das páginas policiais, que se apresenta com o esgar sorrateiro, sempre a esboçar um risinho de escárnio, como uma espécie de Monalisa da traição. É, pode ser. Uma das características marcantes dos traidores é o risinho disfarçado e enganador. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Afora isso, por esses dias, vi o filme Horizonte Perdido, cujo enredo foi elaborado com base no romance do escritor James Hilton. Uma criação literária do ano de 1925, que descreve um lugar de sonho, em que o tempo é medido pela felicidade das pessoas. O tempo não é percebido nem sentido. As pessoas vivem eternamente felizes em Shangri-la, uma espécie de paraíso terrestre, em que pese Simone de Beauvoir, quem sabe numa visão existencialista de revolta com a inexorabilidade do tempo, ter dito: viver é envelhecer, nada mais.
Desse filme, retirei o diálogo bem interessante que transcrevo:
- Chang? Qual é a sua idade? (Chang é uma personagem tipo monge, já com alguns preciosos tempos de vida, sem fisicamente aparentar)
Responde Chang: - A idade é um limite que impomos a nós mesmos.
E acrescenta: - Cada vez que se comemora aniversário, se constrói uma cerca ao redor da morte.
Chang, essa personagem de Shangri-la, desafiava o tempo de tanto viver feliz num paraíso em que o excesso de felicidade transformava a vida numa monotonia de se ser apenas feliz. 
Pois é. Numa crônica que não concluí. Mas apenas esbocei algumas frases iniciais. Começava a narrativa com a contradição, que é inerente ao nosso viver, uma espécie de mandamento de vida. E dizia: - Todos deveriam ser assim: doces como o pão sagrado que nos é servido no altar do amor e da solidariedade; e amargos, como se tivéssemos a absorver os sofrimentos do mundo. Novos ou velhos, a doçura e a amargura devem balizar o nosso caminhar; não devemos guardar as nossas virtudes que devem contaminar, como um bom vírus, a todos em volta, e as dores, que são construídas pela solidariedade devotada aos que sofrem.
Ainda terminarei essa crônica. Estou a aguardar, como afirmou Saramago, prêmio Nobel de literatura de 1998 e autor de A jangada de pedra, que as pessoas saiam do seu deserto pessoal, pois de tudo uma certeza, no dizer desse José escritor do mundo: - ...quanto é difícil esse aparentemente imediato ofício de viver. 
Ainda assim, dois poetas brasileiros souberam em versos curtos e musicados definir os limites da tristeza. Vinícius de Moraes que viajou tantas canções poetizou: - A tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não. E Chico Buarque, para não ficar pra trás, aponta o caminho da libertação, quando canta: - Você que inventou a tristeza, ora tenha a fineza de desinventar. Ora, eu acrescento, apesar de você, ou apesar de todos nós. O ser humano triste e sem amor, ou amando-se a si mesmo, perde a sua identidade subjetiva. Transforma-se num vira-lata a balançar o rabo para o seu dono, ou para quem lhe faz um mero afago desinteressado.
 
* Membro da AML e AIL.