São tantos os crimes, que, lamentavelmente, criança de doze anos está entrando nessa onda, ao processar um aprendizado macabro, ditado por governos, como o do Rio de Janeiro, que puseram a morte como fundamento profilático da criminalidade. Professa-se, assim, a cultura da morte, entronizando o crime como meio de combater o crime. O pior de tudo é que se confunde regime democrático e estado de direito. A nossa democracia é frágil, beirando à falência, justamente porque o nosso estado de direito padece dos mesmos males. Alguns idiotas, porque adoram o autoritarismo, representado por um capitão reformado e reverenciado por generais que o circundam, apregoam, cegos do perigo iminente, a extinção do Supremo Tribunal Federal. O dia que esse deplorável fato ocorrer, não adianta ter Congresso Nacional, Assembleias Legislativas ou Câmara de Vereadores, em razão de que o Estado de Direito não mais existe, quem manda é qualquer ditador da esquina. Assim foi e sempre será, até porque não foi diferente nas várias ditaduras vivenciadas pela nação brasileira. Os portentosos das riquezas adoram esses regimes, pois deles tiram todos os benefícios, sobretudo de ordem econômica. Enriquecem. E o povo fica empobrecido.
Nossa imprensa escrita está cheia de sangue, ou trazem quantidade de notícias desalentadoras. Ou se passa por cima, ou se lê de forma dinâmica, com uma mera vista dolhos. Vai-se adiante, buscando algumas informações mais salutares, que animem a gente. As famílias brasileiras estão endividadas, empobrecidas. A pobreza indigente atinge todos aqueles que sobrevivem com um salário mínimo, e são muitos. Os que ganham um pouco mais são tentados a ter o que não podem ter. E aí a vaca torce o rabo. As dívidas se avolumam.
Bem. Por que isso? Repito histórias antigas que já contara aqui, sem contar o bárbaro crime cometido por uma criança de 12 anos de idade. Nada mudou, até porque o Sr. Guedes e o capitão não estão preocupados essas questões, sob a justificativa de que são ideológicas. Enfim, tudo se resume em ideologia.
Peguei o caderno Cotidiano, da Folha de São Paulo, editado na sexta-feira do dia 6 de outubro. Quase que da primeira à última página havia matérias sobre alguma atrocidade. Logo na página inicial deparei-me com a macabra notícia sobre um vigia que pôs fogo numa creche e matou algumas crianças. Com esse tipo de chamada, fui de imediato ao texto e, no primeiro parágrafo, fiquei sabendo que o segurança de uma creche de Janaúba, uma cidadezinha do interior de Minas Gerais, com 72 mil habitantes, ateou fogo em crianças e em si mesmo. Resultado: matou uma menina e três meninos e deixou vinte e cinco feridos. Segundo apuração da polícia, Damião, nome do vigia, tinha problemas mentais e era obcecado por crianças, sendo portador de traumas psicológicos. Não sei se não era trauma ideológico. Entre mortos e feridos, todos graves, havia uma professora, que, segundo se soube depois, foi uma heroína, que lutou bravamente para salvar as crianças e teve 90% do corpo queimado.
Para aliviar, em seguida, encontro na penúltima página uma entrevista com Michael Shemer, de 63 anos de idade, historiador e escritor americano que fundou a Sociedade dos Céticos nos Estados Unidos. Esse cético, um religioso protestante que se tornou ateu, afirma que viveu uma experiência religiosa durante sete anos (que não tem nada a ver com cético), mas se considerava um chato, saindo desse mundo da chatice quando abandonou a religião, por achar que os amigos e a família ficaram aliviados, “porque parou de pregar para eles”. Shemer prevê que, em séculos, a religião cai em desuso; o homem dela não mais precisará. Não sei se isso é uma verdade científica, ou se é apenas produto do ceticismo ateu de Shemer. Vamos aguardar o passar dos séculos. Quantos? Nem Shemer sabe. Até lá, como as coisas andam, talvez nem o mundo – este que nós estamos nele – exista.
Antes de chegar ao cético Shemer, encontro-me com Matheus, 6ª página – Matheus Henrique da Silva Cruz, uma criança de 12 anos de idade, entrevistada pela Folha. Matheus mora numa ocupação, lugar tranquilo, gostando de morar lá, por ter tudo perto: o mercado e a escola, além de um monte de festas. Respondendo sobre quem é o culpado da cracolândia, Matheus não tem dúvida e dá a resposta na ponta da língua: - Não tem um culpado. Os que vendem são culpados, os que usam também, também aqueles que não dão oportunidade para os outros trabalharem. É tudo um círculo que todos são bem culpados. Por que a vida faz as pessoas se sentirem assim derrotadas? - Às vezes o cara está desempregado, não conseguiu emprego, aí ele fala “estou acabado, não vou conseguir nada”. Aí vai usar droga, beber. Por que acha que há tanta gente rica e tanta gente pobre? – Às vezes o rico se oportuna do pobre, o pobre continua dando dinheiro para o rico. (...) o rico acaba manipulando o pobre pro rico ficar mais rico. Tipo, é o ciclo de ganância. Quer sempre mais dinheiro, mais poder, essas coisas. Com esse racional depoimento da criança Matheus, a conclusão é de que ainda há esperança, representada pela crença no ser humano. Basta que nossos jovens sejam educados. Sem necessidade de ser em escola cívico-militar. A partir da família, que tenha o indispensável para viver com dignidade e possa educar com dignidade. Só.
* Membro da AML e AIL.
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