Raduan Nassar: uma Página de Cólera

Aureliano Neto*

Os seus livros, Raduan Nassar - preciosos livros, diga-se - estão bem pertinho de mim. Ao meu lado. O festejado romance Lavoura arcaica, publicado, com a sua ajuda financeira, pela José Olímpio, em 1975; Um copo de cólera, novela escrita em 1970 e publicada em 1978, e o de contos Menina a caminho, editado comercialmente em 1997. És, Raduan, considerado um grande escritor, reconhecido nacional e internacionalmente, tendo apenas essas obras publicadas, e recebido prêmios importantes como, 1976, o Coelho Neto, para romance, da Academia Brasileira de Letras, e o Jabuti, na categoria de revelação de autor, da Câmara Brasileira do Livro.
Sobre Raduan, José Castello escreveu: "Raduan Nassar não suportou ser um grande escritor e desistiu da literatura para criar galinhas. Trocou a criação estética, que é complexa e desregrada, pela mecânica suave da avicultura, e parece muito satisfeito com isso, tanto que, resistindo a todos os apelos, recusa a voltar atrás em sua decisão. Meteu-se assim numa situação embaraçosa na qual o exterior (a figura do escritor) e o interior (o ato de escrever) se confundem, armadilha em que, de modo mais discreto, todos os escritores de alguma forma estão presos, e que não chega a configurar uma escolha, mas um destino. Raduan abandonou a ordem do verbo, que está contaminada pelo vazio e pelo espanto, para retornar à ordem natural dos animais. Ovos, poedeiras, rações, pequenas pestes podem ser controlados; a escrita, não." Diz mais José Castello: "...mesmo desistindo da literatura, ele não deixou de se apresentar quase obstinadamente, como um escritor militante. Raduan é, ninguém tem dúvida, um grande escritor."
    Raduan Nassar, esse duplo: escritor consagrado e militante, e criador de galinhas em seu sítio em Caipava, São Paulo, arreda-se, momentaneamente, do paraíso do seu criatório, para, numa página inteira do jornal Folha de São Paulo (edição de 21 de agosto de 2016, Opinião, p. A3), sem dó, sem temor, sem piedade, despejar o seu copo de cólera.
Raduan Nassar, além de o duplo - escritor consagrado e criador de galinhas -, é também de uma coragem intelectual, digna de um guerrilheiro, que parte numa luta quixotesca para restabelecer a ética nas instituições democráticas, ora ameaçadas.
Excelente o texto, Raduan. Deveria fazer jus a mais um prêmio Jabuti. Ou qualquer outro, ainda que reduzido a meros aplausos. Que bom ter saído do seu mutismo de escritor militante e da convivência com a suas fiéis galinhas para apontar, com o dedo da sapiência e da bravura, a traição dos covardes e daqueles aproveitadores, derrotados nas três últimas eleições. Ora, eleição! Ora, democracia! Dirão os oportunistas. Tudo isso é insignificante em face da ânsia predadora neoliberal.
Vamos ao seu texto (que considero de ora em diante nosso), Raduan.
Inicialmente, devo dizer que o título do texto - Cegueira e linchamento - indica a amplitude do seu libelo inconformista. Primeiramente, Nassar, você denuncia o hediondo crime contra a humanidade praticado por George Bush e o seu comparsa Tony Blair, quando sob o pretexto mentiroso de que o Iraque era detentor de arma de destruição, assassinaram meio milhão de iraquianos. Tudo com a única finalidade de se apropriar do petróleo daquele país. Civis e crianças foram cruelmente massacrados. Em número e com a mesma crueldade, superaram os atentados terroristas.
Depois, caro Raduan, você vem ao Brasil e denuncia o golpe, para acentuar que Michel Temer, traidor confesso, e todo traidor, haja vista Calabar e Silvério dos Reis, é pusilânime, serve de massa de manobra para atender a interesses dos grandes e portentosos grupos econômicos. Você ainda pede que o juiz Moro venha a se ocupar também de certos políticos "limpinhos", "apesar da mão grande do inefável ministro do STF Gilmar Mendes". E acrescenta: "Por sinal, seu discípulo, o senador Antonio Anastasia, reproduz a mão prestidigitadora do mestre: culpa Dilma e esconde suas exorbitantes pedaladas, quando governador de Minas Gerais."
Nesse derramamento corajoso de sua cólera, alerto-lhe para que se mantenha atento. Os fascistas estão à solta. Transcrevo um dos parágrafos finais do seu belíssimo texto: "A registrar, ainda, por importante: as gestões petistas nunca falaram em 'flexibilizar' a CLT, a Previdência, a escola pública, o SUS, as estatais, o pré-sal inclusive e sabe-se lá mais o quê, propostas engatilhadas pelos interinos (algumas levianamente disparadas), a causar prejuízo incalculável ao Brasil e aos trabalhadores."
Raduan, nessa página, em que o escritor militante e detentor de uma bravura indômita, derrama todo o seu copo de cólera, faço, neste domingo, das suas palavras as minhas, concitando as pessoas menos obtusas que as leiam, sobretudo os seus livros, ainda muito atuais, consistentes de uma narrativa inovadora, sequenciada, direta, e, sobretudo, de forte concepção estética. Meu abraço, Raduan Nassar. Aguardemos, em cólera, o desfecho final do golpe.

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