A crise anda solta. Basta que se leia os jornais e se ouça os noticiários da televisão. Para o forte sentido da crise, o Brasil não atravessará o ano de 2015. Está delirantemente acabado. A mais nova crise é o modelo (no trivial, a roupa) usado na posse pela presidenta Dilma. Criou-se um debate nacional com bizantinas manifestações prós e contras. Uns mais exaltados, outros comedidos, embora mal-humorados. Deu-se a crise do modelito. Kátia Abreu, ministra da Agricultura, coitada, apareceu vestida à natureza, ecologicamente correta, de acordo com o cargo, prestando justa homenagem às nossas matas. Veio de verde, com alguma fitinha e bolinhas vermelhas, e aí foi que a coisa endoidou. A crise foi bem mais complicada de contornar, pois muitos bradaram do alto do seu conhecimento estético do bom vestir: – Estava ridícula! Fiquei abismado com essas gravíssimas discussões. Pensei cá com os meus botões: – Desse jeito, tá difícil mesmo o Brasil ultrapassar o novo ano. Solução para esse grave impasse: ressuscitar o Dener Pamplona de Abreu ou o Clodovil, que talvez já tenham feito as pazes lá na eternidade. Quem sabe, encontrem os dois uma solução, na pior das hipóteses, paliativa.

Mas não há como evitar a crise. Na economia ou na vida pessoal de muita gente, artistas ou não artistas. Dizem os entendidos em números que 2015 será pior do que 2014, e que o PIB continuará pibinho. Outros, mais avassaladores, como é o caso do jornalista Cláudio Humberto, vaticinador cruel das coisas petistas, que ainda pensa que o Brasil é a Casa da Dinda, vituperam, com a convicção dos sábios, que Lula brigará definitivamente com Dilma. E briga feia, de vizinho – ressalvam nas entrelinhas e fora delas – daquelas que todos os palavrões serão vociferados sem sobrar um só nos nossos dicionários de baixo calão. É só esperar, já que Levy, o da Fazenda, comandará todos os acertos e desacertos. Estes, com certeza, não, se os houver, será sempre da presidenta, que ninguém é de ferro, para imputar maldade a um homem de mercado. Ao mercado tudo, até mesmo o sagrado direito de a culpa ser do externo e não O pior de tudo é que muitos entendidos – e como os há – querem fazer o seu próprio discurso. Se não causam tédio, haja saco para aguentar! Um colunista da FS – desses discurseiros diários pró-crise – disse que a presidenta (para eles, ainda não sei por que, a designação é “presidente”) “atropelou sua equipe econômica, que discutia novas fórmulas para, mantendo aumentos reais do salário mínimo, diminuir seu peso nas contas públicas no médio e longo prazos e na vida das empresas, dando mais competitividade ao país”. Eis uma inusitada crise entre quem manda e quem obedece. Por essa ótica do discurso da crise, a presidenta, eleita e empossada, não pode mais ser presidenta. Quando veta algum “estudo absurdo” discutido por seus auxiliares, por ela nomeados, portanto a ela subordinados, está a atropelar a equipe econômica, ao se contrapor a medidas cáusticas que retiram o único meio de sobrevivência do trabalhador brasileiro, que é o salário mínimo, já bem mínimo, como acentua o seu próprio nome. Não há nenhuma dúvida, independentemente da crise, que uma das maiores conquistas do trabalhador brasileiro foi ter o aumento do salário mínimo previamente previsto na lei orçamentária, com reajuste acima da inflação. Retirar esse avanço é grave golpe contra a classe trabalhadora, pouco interessando se melhoram ou não as contas públicas ou a vida das empresas. O bolso do trabalhador não pode ser a solução da crise.
Tenho um amigo que não sabe que sou seu amigo. Percebam o paradoxo. Minha amizade com ele consiste na leitura que faço da sua coluna neste jornal. Trata-se de Lima Rodrigues. Numa das suas colunas recentemente publicadas, sapecou essa avassaladora conclusão sobre a crise: “Que crise? Mas às vezes ficamos em dúvida sobre que crise estamos vivendo! É que em cidades do Pará, do Maranhão, do Tocantins, em Brasília ou em qualquer lugar do Brasil, os bares estão lotados de segunda a segunda vendendo muita cerveja e muito tira-gosto. Ou não existe crise ou a crise não atingiu quem aprecia uma gelada.” Pois é, meu caríssimo Lima Rodrigues, ainda bem que a crise (da Miriam Leitão) não atingiu a cerveja e o tira-gosto, duas preferências nacionais, que continuam fazendo nossos bares encherem de domingo a domingo. Como não tenho frequentado os bares, em que pese o seu aconchego, quero concordar com Afonso Arinos, citado por Otto Lara Resende, na crônica Direito ao Tédio. Diz Otto Lara que Afonso afirmara, sem esboçar uma leve gota de dúvida, que a crise lhe dava um tédio danado. E, quando fez essa afirmação, abriu a boca para demonstrar o seu enfado. O poeta Paul Valéry traduzia esse sentimento no verso: “Les événemens m’ennuient.” Os acontecimentos me entendiam, quis ele dizer.
Para fugir da crise, deixei de lado as leituras e saí pela rua, andando num silêncio interior, recolhido dentro de mim mesmo. Em solidão, mas sem a solidão do estar só. Apenas fugindo da crise como diabo da cruz. Felizmente, o tédio de Afonso Arinos me tomou conta, possuiu-me como um espírito benfazejo. Numa imitação burlesca, abri a boca e pensei confrangido: Esse mau humor do tudo acabado me impõe um tédio, como único antídoto de viver a crise do minuto seguinte. Arre!, fui ao shopping mais próximo. Estava cheio de crise. Gente pra todo lado. Comprava que comprava. Tanta era a crise que resolvi retornar para o aconchego do meu tédio.