Vinicius de Moraes, o nosso poetinha de líricos e eternos poemas e grandes canções, tem um poema que considero muito legal. É O dia da criação. Começa assim: Hoje é sábado, amanhã é domingo / A vida vem em ondas, como o mar / Os bondes andam em cima dos trilhos / E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar / Hoje é sábado, amanhã é domingo / Não há nada como o tempo para passar / Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus / Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal. E Vinicius vai enfatizando o sábado, como um tempo de todas as fatalidades, ou de todos os sortilégios, e vai, como num estribilho, entoando o canto poético justificada causa de tudo pelo sábado: Neste momento há um casamento / Porque hoje é sábado / Há um divórcio e um violamento / Porque hoje é sábado / Há um homem rico que se mata / Porque hoje é sábado / Há um incesto e uma regata / Porque hoje é sábado / Há um espetáculo de gala / Porque hoje é sábado / Há uma mulher que apanha e cala / Porque hoje é sábado / Há uma renovar de esperanças / Porque hoje é sábado / Há uma profunda discordância / Porque hoje é sábado / Há um sedutor que tomba morto / Porque hoje é sábado... E Vinícius segue com o refrão como a justificar todas as venturas ou desventuras, porque o dia é o sábado.
Esse belíssimo poema, de questionamento lírico profundo, tem como fundamento poético o sexto dia da criação, o sábado, quando Deus, o Criador do Universo, após fazer surgir a luz e separá-la das trevas, também faz a separação das águas pelo firmamento, e cria a terra, separando-a das águas, e faz surgir as estrelas, distinguindo o dia da noite para encher as águas de seres vivos e ainda fazer voar as aves sobre a terra, fecundando-a para produzir outros seres vivos. E, após todo esse exaustivo trabalho, a exigir dedicação, esmero e devotada preocupação do Deus-Pai, pois o mundo estava sendo construído do nada, deveria o Nosso Criador, segundo poeta de O dia da criação, ter descansado e esquecido o homem, produto da criação do sexto dia, que já não seria mais necessário. Mas Deus o criou à sua imagem e soprou em suas narinas o fôlego de vida, para, depois, dar-lhe a companheira, originada de uma de suas costelas, chamando-lhe o Senhor da Criação de mulher, para se unir ao homem e ser com ele uma só carne.
Arre! Foi um trabalho exaustivo. Estou a concordar com o poeta Vinicius. Não concordância científica. Mas com a verdade poética. O homem, embora criado à imagem do Criador, convenhamos, é uma permanente e constante preocupação de Deus. Até mesmo quando se diz ateu. E, olhem, não era pra ser assim. Vejamos bem. Ao ser criado, Deus o colocou no jardim do Éden (pra época um resort de cinco estrelas, e com muitas estrelas no firmamento), para que cuidasse desse suntuoso lugar e o cultivasse, dando-lhe liberdade para comer de qualquer árvore, ali já plantada e com apetitosos frutos. Mas Deus o alertou: - Não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal. E disse-lhe sobre a sanção que sofreria: - Pois, no dia em que dela comer, certamente você morrerá. Além desse providencial alerta, o Nosso Criador ainda teve o cuidado de lhe dar uma companheira, a bendita e desejável mulher. Assim, deu-lhe o corpo, vida, e ainda uma mulher. Para isso, retirou-lhe uma costela e fez a dita-cuja e a levou até ao homem, criado à imagem e semelhança do Senhor. Os dois, unidos, tornaram-se uma só carne, e, ao que tudo diz a história da criação, não se entenderam, pois resolveram desrespeitar o mandamento capital: comeram o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. E deu no deu. Passado algum tempo de mil confusões e inumeráveis contratempos, Deus teve que mandar o Seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, para, sacrificando-se na cruz, salvar dos pecados esse homem que, se Ele tivesse descansado no sexto dia, não teria lhe dado tanta aporrinhação, como está dando até os dias de hoje.
Retornando a Vinicius, ele vai concluir O dia da criação com os seguintes versos, numa velada crítica, a bem verdade crítica poética, ao Nosso Senhor do Universo: Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo / E para não ficar com as vastas mãos abanando / Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança / Possivelmente, isto é, muito provavelmente / Porque era sábado.
Oh!, bendito o sábado.. Porque foi no sábado que Deus nos deu o domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os grandes animais da terra e sobre todos os outros animais que se movem rente ao chão, e assim, por isso mesmo, em face dessa criação problemática, me impõe essa agradável possibilidade de todos os domingos, o dia do descanso, de estar aqui com vocês, falando sobre algumas coisas da vida, do amor, do cotidiano, de Deus e dos homens, estes eternos infratores das leis divinas e das leis da terra. Porque sempre há um sábado para ser transgredido. E sempre haverá um homem para transgredir num sábado. Ainda bem, porque hoje não é sábado, e todos os amores, na quietude do ócio, estão desabrochando. Porque hoje, insisto, não é sábado.