Aureliano Neto*

Tudo se poderia esperar. Até mesmo que o sol perdesse o brilho, a terra esfriasse, ou mesmo que israelenses e palestinos fizessem um acordo de convivência pacífica e deixassem, de um momento para o outro, de se matarem. Mas ninguém, ninguém mesmo, poderia sequer esboçar uma mera e equidistante conjectura de que o "ético" (há necessidade das aspas) senador Demóstenes Torres, eleito e cria do DEM, de Goiás, estivesse a serviço de um dos maiores, senão o maior, contraventor que se tem notícia nas páginas policiais de nossa mídia, da grande a menos expressiva.
Tudo veio à tona com a ampla divulgação dos grampos, autorizados judicialmente, isso quer dizer por juiz de direito, melhor explicando, para não deixar dúvidas, pelo Poder Judiciário, em que são registradas as conversas mais escabrosas entre Demóstenes Torres e infrator Carlos Augusto de Almeida Ramos, mais conhecido, como é óbvio, por Carlinhos Cachoeira, ou ainda os asseclas deste, onde ficam evidenciadas as cobranças de propinas, o depósito bancário de valores em conta do senador, ou, ainda, de forma mais sofisticada, a aquisição de mobiliário para o seu novo apartamento de 701m², bem como a compra de caríssimos vinhos (Cheval Blanc, safra 1947), pelos comparsas do contraventor de cinco garrafas no valor de quinze mil dólares, sob a ressalva de que, no Brasil, cada unidade dessa riquíssima marca alcança a quantia nada desprezível de R$ 30.000,00.
Tudo veio ao conhecimento público, em vista da leitura das publicações menos comprometidas com a direita reacionária, que domina parte dos nossos jornalões (Estadão e Folha de São Paulo) e revistas semanais, entre as quais se destaca a indefectível Veja, que, como afirma o escritor Luís Fernando Veríssimo, em entrevista que foi publicada em cadernos culturais de alcance nacional, não mais faz parte do seu cardápio de consumo, por se tratar de uma revista cujo conteúdo é de uma reacionariedade insuportável. De fato, tem razão o citado cronista, romancista e humorista gaúcho, já que o maior atraso não é a Veja em si, mas ter a coragem cívica de enfrentá-la numa leitura semanal, sem não ser, após, acometido de ânsia de vomitar.
Tudo, enfim, é do conhecimento dos brasileiros, que, perplexos, ante aos fatos estarrecedores patrocinados por Demóstenes e Cachoeira, exortam: - Como fomos enganados! Nem suspeitávamos das patranhas do representante do DEM. Nessa onda de divulgação das falcatruas do senador do DEM, agora sem partido, pois, na iminência de ser expulso, pediu desligamento da agremiação política, que o cevou durante todo esse período em que se apresentava como vestal, até o nome de Aécio Neves, senador do PSDB de Minas Gerais foi citado, por ter concedido favores a uma afilhada de Demóstenes. Tudo devidamente gravado, com diálogo entre os políticos amigos, inobstante ter sido dada pouca relevância pela mídia amiga, por se tratar de Aécio e do PSDB. Caso outro, nenhuma condescendência. Vejam o que ocorre até os dias de hoje com João Paulo Cunha. Qualquer passo que dado por ele, vem logo a alcunha discriminatória de "mensaleiro", haja vista que esse deputado petista teve pouquíssima participação no episódio repetidamente denominada pela nossa grande mídia de mensalão, quando, a bem da verdade, não há nenhuma prova efetiva de que o governo pagou parlamentares para, no Congresso, votar em matéria de seu interesse.
Por conta de tudo isso, desse escândalo sem dimensão igual na história do Brasil, vão-se deixando de lado o governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB, participante de reunião com o contraventor Cachoeira e Demóstenes, além de outros comparsas, havendo, ainda, gravação em que consta pagamento que lhe foi feito da quantia, em dinheiro, de R$ 500.000,00, valor este recebido no Palácio das Esmeraldas, sede do governo goiano.
Tenta-se, por isso mesmo, mudar o foco para a empresa Delta e para os governadores do Distrito Federal, este do PT, e do Rio de Janeiro, que integra o PMDB, Agnelo Queiroz e Sérgio Cabral.
O jogo investigativo é duro, difícil, até porque há interesses da mídia no meio de toda essa sujeira. Foram grampeadas duzentas ligações telefônicas realizadas entre Cachoeira e o jornalista Policarpo Jr., diretor da sucursal da revista Veja, em Brasília. Disso não se fala mais, tendo desaparecido do noticiário televisivo e dos nossos jornalões. Não se trata de resguardar sigilo da fonte, porquanto, do que se deduz dos fatos, é que o contraventor alimentava a revista Veja repassando o que era do seu interesse para divulgação contra seus inimigos. A revista se prestava a fazer com Cachoeira um pacto ilícito seletivo quanto às matérias que seriam publicadas, desde que servissem aos negócios escusos do contraventor.
Tudo isso veio à tona logo no início da divulgação dos grampos. Como se pensava que a CPI atingiria, com o descontrole investigativo, o governo e o PT, a nossa mídia oposicionista deu, de logo, absoluta guarida, para, em seguida, recuar e se estabelecer entre os nossos órgãos de imprensa um cruel pacto do silêncio.Toda CPI, consoante dispõe o § 3° do art. 58 da Constituição Federal, tem como finalidade apurar fato determinado e por prazo determinado. Dúvida não há, os fatos serão apurados. Apenas a grande mídia brasileira apostava numa direção: o envolvimento do governo e do PT, ou dos partidos que dão sustentação ao governo. Como os fatos são outros, tiveram que admitir a máxima sartreana: o inferno são os outros. Ou como diz Manuel Bandeira: "A única coisa a fazer é tocar um tango argentino." Então, silêncio naquilo que interessa nada ser dito.

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