Os ufanistas bradam, num esgar retumbante, que o Brasil participou de todas as copas. E, agora, devem bradar, ainda com mais ênfase, para se ufanarem nacionalisticamente, que o Brasil realizou duas copas: a de 50 e a de 2014. Pelo menos, vencemos da Argentina. Como consequência desse juvenil ufanismo, haja verde e amarelo, cores que passaram, com uma frequência obsessiva, a adornar as casas, edifícios, ruas, avenidas e os nossos criticados estádios de futebol. A bola, rolando, é o símbolo a impulsionar as emoções do brasileiro. Mas, convenhamos, aqui entre nós, não de todos os brasileiros, pois, como é absolutamente notório e natural, há aqueles que não suportam futebol. Ora, já proclamava Nelson Rodrigues, fazendo a premonição de nossos dias: toda unanimidade é burra. Pensar que todo brasileiro adora futebol é uma ilação de uma burrice tamanha, só justificada pelo nacionalismo exacerbado de alguns que acreditam que todos são iguais até mesmo na escolha do seu esporte preferido. Não. Não é bem assim. Futebol já não é essa preferência nacional. A preferência agora é hospital, escola, avenidas, estradas, transportes públicos eficientes, combate à corrupção. Tudo isso, como enfatiza o slogan repetido à exaustão, com o requinte do padrão Fifa. Médici, o Garratazu, de soturna lembrança, teria dificuldade de apregoar: Brasil, ame-o ou deixe-o. Neymar, o nosso craque, que não tem nada de besta, a não serem os dribles, nos deixou e fez muito bem, para o seu bolso, de ir para Espanha. Lá, pelo que sabe por aqui, o pessoal não é tão exigente. E os times de futebol esbanjam rios de dinheiro em contratações milionaríssimas, embora o desemprego seja o grande tormento do povo espanhol. Mas Espanha é Espanha; Brasil é Brasil.

Não quero falar bem disso. Quero referir-me à copa que não esqueci. De tantas que foram realizadas, sempre há uma que deixa alguma marca, mesmo para aquele brasileiro que não dá bola para a pelota. Por qualquer motivo, ficou uma lembrança, ou um estigma que não merece ser lembrado, mas que o inconsciente faz com que se projete, como um pesadelo, na nossa consciência. Pode ser o início de um amor que se eternizou até a outra copa. Uma separação mal resolvida. O beijo ou abraço que deixaram de ser dados naquele exato momento da explosão do começo ou do fim. Um gol anulado que deveria ser legítimo. Um porre daqueles de arrasar quarteirão. Um encontro que resultou em desencontro. Ou vice-versa. Na mulher amada, que, aproveitando-se do grito fanático do gol, resolve trair o amado com aquele que, encolhido no canto da mesa, parece o mais puro dos torcedores. Ou, quem sabe, vice-versa. Como diz a música popular, o que dá pra rir, dá pra chorar, é questão apenas de peso ou medida.
A copa que não esqueci. Não vi tantas. Sei que foram muitas. Essa ficou lá atrás num dia com o sol tímido, desses que tem vergonha de aparecer, mas sem chuva. Parecia nublado. Não foi pela tarde. Foi num final da manhã, perto do início da tarde. O jogo estava sendo transmitido por uma rádio. Não lembro qual. Os ouvintes atentos. Os rádios ficavam nas salas. As antenas nos telhados, para captarem a transmissão mais nítida. Todos estavam apreensivos. A seleção brasileira perdia de um a zero. Eu era o encarregado de comprar as cervejas. Sem muita atenção, ouvia o rádio. E o locutor, voz empolada, exaltava as jogadas de Didi, Garrincha, Pelé, Vavá e Zagalo. Eram os nomes mais citados na transmissão. Não compreendia bem a importância daquele jogo. Cumpria a minha missão, com a rapidez que o momento exigia: as cervejas acabavam, eu era chamado para ir ao botequim mais próximo para comprar mais seis, levando na sacola os cascos escuros. O pessoal gostava de tomar cerveja de casco escuro. Dizia-se que era mais gostosa. Para mim, essa preferência não tinha a menor importância, já que tentara beber e achei o gosto muito amargo. Bem. Depois, bem na frente, pois o amanhã é tão breve, acostumei-me com esse gosto amargo. Em alguns singulares e inesquecíveis momentos, passei dos limites.
O gol da Suécia foi no iniciozinho do primeiro tempo. Fazendo a consulta em reportagens de jornais e livros, fiquei sabendo que o gol foi marcado pelos suecos nos quatro minutos do primeiro tempo. Uma ducha fria, uma vez que a disputa do título era realizada no campo do adversário. Garoto, com dez anos, saí para comprar cervejas, quando voltei, carregando na sacola as seis garrafas de cervejas casco escuro, descendo a rua, no caminho de casa, ouvi no rádio (todas as casas tinham um ligado) que o Brasil já vencia de dois a um, com gols de Vavá. O segundo gol, que virou o jogo, ainda ouvi o grito exaltado quando passava pela casa de um vizinho. Dribles do endiabrado Garrincha, que rompeu a defesa da Suécia, bola pra Vavá, o grande centroavante de 58, e o gol que virou o placar em favor da seleção brasileira.
Essa foi a minha copa inesquecível. Depois, tantas outras vieram. A de 62, com a conquista do bicampeonato no Chile. A derrota de 66 na Inglaterra, que registra o declínio do grande Garrincha e revelação de Tostão e Gerson. O tri de 70. As duas outras vieram em seguida. 58 foi a copa que não vi, mas que ouvi pelas ondas do rádio. E percebi que o Brasil não era apenas o país do futebol, mas também de bons bebedores de cerveja.